Se depender dos preços dos voos
regionais no Brasil, algumas cidades do interior do país continuarão acessíveis
apenas por terra, a não ser que o viajante esteja disposto a pagar caro pela
passagem aérea. Levantamento feito pelo O
Globo constatou que um bilhete do Rio para Juiz de Fora, no interior de
Minas, por exemplo, pode custar o triplo do valor pago por uma passagem da
mesma origem até Belo Horizonte, mesmo considerando que a distância entre as
capitais carioca e mineira é muito maior.
A pesquisa foi realizada em 10 e
11 de setembro para compra de passagens sem taxa de embarque entre os dias 20
(ida) e 23 (volta) do mesmo mês, mais de uma semana antes da decolagem.
Enquanto o passageiro teria que desembolsar no mínimo R$ 758,32 para compra de
um bilhete de ida e volta do Rio para Juiz de Fora pela companhia TRIP, o
trajeto entre Rio e Belo Horizonte custaria R$ 224 pela mesma empresa.
Os voos operados pela TAM custam
ainda mais. No mesmo trecho Rio-Juiz de Fora, os preços podem variar de R$ 1.051 a R$ 2.510, mais
caros até que para extremos do Brasil, como Porto Alegre, onde foi possível
encontrar, na mesma empresa, tarifas para ida e volta, saindo do Rio, por R$
366.
Outro trecho que ilustra o custo
maior dos voos regionais no Brasil é o que liga Rio a Governador Valadares,
também no interior de Minas. O bilhete custa entre R$ 726 e R$ 2.508 pela TRIP
e R$ 844 e R$ 3.500 pela TAM.
A relação não se restringe à rota
Rio-Minas. Os preços dos voos do Rio para o interior paulista também são altos.
Podem valer entre R$ 480 e R$ 654 para Bauru, pela GOL, e R$ 628 a R$ 748 para São José
dos Campos, pela TRIP. Já para São Paulo capital, é possível achar voos entre
R$ 200 e R$ 250, operados pela maioria das companhias aéreas do país.
A Bahia é outra região que não foge
à regra. Saindo do Rio para Ilhéus, os voos de ida e volta somavam, nos dias
pesquisados, entre R$ 780 e R$ 2.300 pela Avianca, e R$ 1.305 e R$ 2.007 pela
Gol. Para Salvador os preços encontrados foram relativamente menores, podendo
ser comprados pelo mínimo de R$ 389,19 pela Webjet.
Segundo o especialista em aviação
e regulação Alessandro Oliveira, os altos preços cobrados são reflexo da baixa
demanda. Como a companhia regional não consegue, em muitos casos, encher a
aeronave, o custo de operação por passageiro-quilômetro é mais alto.
— O voo regional é muito
específico. Pelo fato de ser de baixa densidade, concorre com o modal
rodoviário. Muita gente faz o trecho de carro ou de ônibus — avaliou.
— Com o custo mais elevado, a
companhia acaba repassando os valores para as passagens — acrescentou Oliveira,
que também é ex-diretor de Política Regulatória da Secretaria de Aviação Civil
do Ministério da Defesa e presidente-fundador da Sociedade Brasileira de
Pesquisa em
Transporte Aéreo (SBTA).
Outro problema, segundo o
especialista, é a questão monopolista. — Com a baixa demanda, a companhia acaba
sendo única e, por não ter concorrência, coloca o preço mais alto — explicou.
O analista em aviação e sócio da
consultora Bain & Company André Castellini chama atenção para o tamanho das
aeronaves. — As empresas regionais operam em aviões menores que são bem mais
caras por assento. É como operar um ônibus ou uma van — exemplifica.
Outro aspecto ressaltado por ele
são as promoções. — Dependendo da rivalidade que existe na rota, as empresas
têm incentivo para fazer promoções fora do pico — disse ele, alertando, porém,
para os resultados negativos que as empresas vêm registrando.
— Tem que tomar cuidado por que
tem empresas que estão cobrando barato e não estão conseguindo cobrir os
custos. Essa é a realidade da aviação brasileira, as empresas estão tendo
prejuízos — disse.
Procurada pela reportagem, a
Agência Nacional de Aviação Civil (Anac) informou por meio de nota que não se
posiciona sobre os preços das passagens devido ao princípio da liberdade
tarifária para transporte aéreo doméstico, segundo o qual “as empresas podem
estabelecer livremente as tarifas a serem oferecidas ao usuário na prestação de
seus serviços”. O Sindicato Nacional das Empresas Aeroviárias (Snea) também
disse que não se manifesta em relação aos preços. Já Associação Brasileira das
Empresas Aéreas (Abear) se limitou a dizer que os preços dos bilhetes aéreos no
Brasil custam em média hoje a metade do valor de dez anos atrás e que as rotas
de aviação regional têm apresentado crescimento expressivo
INTERIOR DO BRASIL É MAIS CARO DO
QUE PASSAGENS ENTRE PAÍSES DA EUROPA
Os preços das passagens regionais
ficam mais assustadores quando comparados aos praticados para alguns destinos
no exterior e na Europa. Com quase o mesmo valor gasto com uma passagem do Rio
para Juiz de Fora, cuja distância é de 180 quilômetros, é
possível voar da capital carioca até Buenos Aires, dez vezes mais longe. O
preço mínimo de voo encontrado para a Argentina nos dias pesquisados foi de R$
970.
E por muito mais barato é
possível viajar entre os países europeus. No continente, compra-se passagens
faltando apenas uma semana para o voo por cerca de R$ 300 entre as principais
capitais como Paris e Roma, por exemplo, e até para outro continente, no caso
de Madri, na Espanha, com destino para Marrakech, no Marrocos, no norte da
África. Isso quando não há promoções e os preços caem para R$ 70 ou menos.
Os voos europeus mais baratos são
operados pelas companhias Ryanair e Easy Jet que, na avaliação de Alessandro
Oliveira, são exemplos no aproveitamento de aeroportos secundários. — As
empresas montam operações a preços baixíssimos em aeroportos menores. O que era
um deserto explode de tanta demanda — disse.
FALTA AEROPORTO TODO, E NÃO PISTA
O interior do Brasil carece de
aeroportos preparados para operar voos regionais, segundo Alessandro Oliveira.
— Não faltam pistas pelo
interior, temos muitas. O que falta é o aeroporto todo. Tem que ter manutenção,
terminal, toda certificação garantida. Nem sempre os aeroportos estão
preparados para usar jato, que seria o modelo low cost, por exemplo.
Jato tem que acomodar, tem que ter o mínimo de requisitos de segurança, são 200
pessoas desembarcando — ressaltou.
Segundo ele, o Brasil só terá um
mercado pujante quando tiver mais investimento em infraestrutura, para mais
companhias operarem.
— Não tem espaço para algumas
empresas e para novos voos. Ou as cidades arrumam novos aeroportos ou vão ter
valores cada vez mais altos. É o preço que se paga para desenvolver o interior
e integrá-lo ao restante do país — destacou.
(Fonte
: Jornal O Globo)