quarta-feira, 17 de outubro de 2012

GASTROCHATICES


"Vim aqui procurando um sonho, e ele se transformou num pesadelo." Foi assim que Ruth Reichl, uma das mais respeitadas críticas de restaurante da história do "New York Times", descreveu uma das visitas que fez ao luxuoso restaurante Le Cirque, em Manhattan, nos anos 90.
Na ocasião, ela encarnou uma ex-professora e se disfarçou com uma peruca e um terninho Armani bege, resgatado de uma loja de velharias.
Primeiro, Reichl foi esquecida no bar. Quando finalmente pôde se sentar, foi levada a uma mesa nos fundos. Comeu bem, é verdade. Mas o serviço foi tão ruim que ela teve a noite "arruinada", diz.
Nesta edição, o "Comida" não se disfarçou para avaliar um lugar específico. Mas convidou cinco habitués de restaurantes para saber o que pode azedar uma refeição.
São eles: Alexandra Corvo, colunista de vinhos da Folha; Carlos Alberto Dória, sociólogo; Gisela Brandão, gerente de desenvolvimento de gastronomia do Senac-SP; Josimar Melo, crítico da Folha; e Rosa Moraes, diretora de hospitalidade e gastronomia da Laureate, uma das maiores redes de universidades do mundo. Contaram, a partir de suas experiências, quais são as situações mais irritantes.
Quem gosta de ter sua conversa interrompida por um profissional que vai à mesa completar o seu copo à exaustão? E ter de abanar as mãos para ser notado pelo garçom, que está distraído ou de papo com o colega no salão?
Para os entrevistados, o cliente precisa aprender a dizer "não" - não ao couvert que chega sem ser pedido, não à taxa de serviço quando você é mal atendido, não à reposição insistente de bebida. Pode ser o começo de um movimento que ajudará a educar clientes e restaurantes.

PROBLEMAS QUE AZEDAM A REFEIÇÃO

Muita coisa pode dar errado em um restaurante. Cinco frequentadores assíduos elencaram o que mais os incomoda em uma refeição fora de casa. A reportagem organizou as queixas nas categorias "à mesa", "com o vinho", "com o garçom", "no cardápio" e "com o valet".
O que mais irrita você? Conte experiências desagradáveis na página do "Comida" no Facebook (facebook.com/FolhaComida).
E fique atento: quando se sentir lesado, procure um órgão de defesa do consumidor. Às vezes, o que parece preciosismo do cliente pode ser, na verdade, a reivindicação de um direito previsto em lei. Confira na página ao lado.

À MESA

Lixar ou limpar?

A opinião é unânime: guardanapo sintético - aquele mesmo, que espalha a sujeira na sua boca em vez de limpá-la- é um desastre. O de papel também não é lá muito bem quisto. "Os dois são ruins, não absorvem a sujeira", diz Carlos Alberto Dória.

Pintou sujeira

Não adianta tudo correr perfeitamente bem se a toalha de mesa do restaurante estiver suja ou manchada. "Se o lugar não consegue seguir um padrão de limpeza, é melhor não ter toalha e apostar num joguinho americano bacana", diz Rosa Moraes.

A vida dos outros

Para quem gosta de saber detalhes íntimos da vida dos outros, mesas muito próximas podem ser um prato cheio! Não para Gisela Brandão, que se queixa: "Tem mesas tão grudadas que você quase vê a mensagem que a pessoa do lado está mandando pelo celular".

COM O VINHO

Tim-tim salgado

A taxa de rolha cobrada de quem leva seu próprio vinho ao restaurante já irrita muita gente. O serviço cobrado em cima dela, então, irrita muito mais. Quando isso acontece com Alexandra Corvo, ela diz que não volta nunca mais ao lugar. Segundo a Associação Nacional de Restaurantes, essa taxa é uma remuneração pelos materiais oferecidos, como taças. Já a taxa de serviço "vai diretamente para os funcionários e, portanto, não é considerada uma sobretaxa".

Tim-tim apressado

É comum ver a carta de vinhos sendo entregue antes do cardápio. Não faz sentido, já que o ideal é que o cliente primeiro escolha o que vai comer para depois pedir o vinho mais indicado para aquela refeição.

COM O GARÇOM

Papo-cabeça

Virou moda os garçons explicarem tecnicamente os pratos. Para Carlos Alberto Dória, um discurso que pode deixar os clientes ainda mais confusos: "'Essa carne foi feita em baixa temperatura'. Mas o que é baixa temperatura?"

Matraca

Só tem um problema maior do que um garçom que não sabe responder: o garçom que fala de mais.

Goela abaixo

O garçom deve ter cuidado triplo na hora de oferecer o couvert. A primeira regra é não colocá-lo na mesa sem antes perguntar se o cliente quer. Para completar, o cardápio deve informar o preço do couvert e deixar claro se esse valor será cobrado por pessoa ou por mesa.

Beber, beber, beber

Ficar com a taça vazia durante a refeição não dá. Mas isso não quer dizer que o garçom ou o sommelier precisam enchê-la a cada gole tomado. Para Alexandra Corvo, o atendente que faz isso quer esvaziar logo a garrafa para vender outra.

Tchauzinho no ar

"Irrita muito ter de abanar a mão para pedir alguma coisa ao garçom", diz Rosa Moares. Alexandra Corvo não gosta de demora no serviço. "Assim que você se senta, alguém precisa te oferecer algo. Não pode ficar aquele vazio na mesa, com você largado lá."

NO CARDÁPIO

Gramática

Para Josimar Melo, existem três línguas: a falada, a escrita e a língua dos cardápios. "Eles sempre têm erro", diz. Em especial, os que trazem nomes de pratos em italiano. Como nhoque, que em italiano é grafado "gnocchi", mas surge como "nhochi". "Dá vontade de rir", completa.

Surpresa

Cardápio precisa informar o preço. Se a sugestão do dia não estiver no cardápio regular, o garçom deve informar o preço. O mesmo deve acontecer com a carta de vinhos. A dica dos nossos entrevistados é: nunca peça nada sem que antes o atendente diga quanto custa.

Taxa

Há lugares que cobram mais que os habituais 10% de taxa de serviço. A Associação Nacional de Restaurantes diz que o "valor deve ser avaliado pelo estabelecimento de acordo com o que acha justo ao serviço que oferece".

Tamanho 'GG'

Alguns restaurantes têm pratos enormes, que serviriam duas, três pessoas, mas se recusam a dividi-los. Josimar Melo lembra que existem, ainda, aqueles restaurantes que não servem pratos individuais. "E se eu estiver sozinho? E se eu quiser carne, e a pessoa que estiver comigo quiser peixe?"

COM O VALET

Sem manobra

Em tempos em que se faz tudo com cartão de débito ou crédito, os restaurantes deveriam incluir a taxa cobrada pelo serviço de manobrista na conta. Isso sem falar dos preços nas nuvens. Em São Paulo, esse valor pode chegar a R$ 25, segundo último levantamento deste mês do Datafolha, com base em 1.268 estabelecimentos. Há também problemas com a demora e com o fato de muitos valets deixarem seu carro estacionado... na rua.

(Fonte : Jornal Folha de São Paulo)

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