quinta-feira, 9 de junho de 2011

PINOT NOIR: OS QUE SÃO E OS QUE SÓ SE ACHAM

A moda dos vinhos varietais (em que predomina uma variedade de uva e ela é mencionada no rótulo), mais o processo de globalização em que vivemos, provocou, em especial nos últimos 20 anos, uma forte concentração de tintos com cabernet sauvignon e de brancos com chardonnay. A essas duas castas se juntaram a syrah e a merlot, mais a sauvignon blanc, para formar o chamado grupo das variedades internacionais, que têm, bem ou mal, certa facilidade de se adaptar aos diferentes climas e solos das regiões vinícolas mundo afora.
A escolha de tais uvas não se deu só por sua capacidade de aclimatação, mas pelo fato de estarem associadas a regiões de prestígio - cabernet sauvignon e merlot a Bordeaux; chardonnay à Borgonha; syrah ao Rhône - e ao rápido sucesso dos tintos da Austrália nos anos 90. O mesmo aconteceu com a sauvignon blanc, que tinha boa presença no Vale do Loire e explodiu no mercado com os frutados e sedutores brancos da Nova Zelândia. No fundo, todos queriam fazer "bordeaux", "chablis" e "montrachets". E aproveitar a onda dos australianos e neozelandeses.
Nessa galeria de vinhos de prestígio a serem "pirateados" faltavam os borgonhas tintos. Mas as tentativas de "domar" a caprichosa pinot noir, casta que ali reina soberana, foram em sua quase totalidade mal sucedidas. Qualquer resquício de pudor caiu por terra com os efeitos provocados pelo filme "Sideways", de 2004, que ressaltava as virtudes dos pinots. Num mercado tão influenciável como o dos EUA, tal menção fez com que a busca por pinot noir explodisse - 30% de imediato -, sem produção suficiente para a demanda.
Produtores das mais variadas procedências implantaram às pressas novos vinhedos para não perder o bonde. Seria isso pinot noir? "É inapelável, não existe pinot noir fora da Borgonha", disse certa vez a competente e geniosa Lalou Bize-Leroy, que comanda o celebrado Domaine Leroy. Segundo Christophe Tupinier, que dirige o "Bourgogne Aujourd'hui", publicação referência da região, "se a pinot noir não conseguiu se desenvolver pelo mundo da mesma maneira que outras castas há razões. A primeira delas é sua sensibilidade. É uma variedade delicada cuja essência é produzir vinhos que se caracterizam por uma espécie de equilíbrio entre finesse, densidade, plenitude da fruta, taninos finos e frescor. Com toda a boa vontade do mundo, não se poderá jamais produzir grandes pinots noirs em países de clima quente, muito frio, muito seco ou muito úmido". Longe de seu habitat original, a casta perde as preciosas características que a distinguem de todas as outras variedades.
É até certo ponto frequente associar vinho encorpado com tânico ou potente em boca. No caso, confunde-se estrutura e peso (que bons borgonhas têm) com impacto (que tanino e volume provocam). É significativo notar que os pinots dos EUA obtêm altas pontuações do influente crítico Robert Parker. Isso não se deve à competência dos produtores de lá, que teriam conseguido conciliar as virtudes da Borgonha com a potência e concentração que agradam Parker. Afinal, esses dois atributos descaracterizam a pinot noir.
Regra geral, seja por questões naturais ou para agradar o consumidor americano (as uvas são colhidas mais tarde e procura-se mais extração na vinificação), os "borgonhas" por aí são mais alcoólicos e têm padrão marcado por fruta muito madura, quase adocicado, com grau de acidez insuficiente para equilibrar o conjunto.
Poucas regiões têm mostrado vocação para propor pinots noirs que se aproximem do padrão Borgonha. Em todo caso, bons exemplares vêm da Nova Zelândia, particularmente das zonas de Central Otago e de Martinborough. Da mesma forma, a região vinícola de Ahr, na confluência deste rio com o Reno, na Alemanha. Depois de um início de cultivo da pinot noir um tanto estabanado, o Chile começa a apresentar vinhos com boa tipicidade. Bons rótulos apareceram em Casablanca e Leyda, assim como de áreas mais ao sul do país, como Bio-Bio e de Malleco.
Os suíços se orgulham de seus pinots e estão buscando destaque. Eles levam isso tão a sério que organizam todos os anos o concurso "Mondial du Pinot Noir". Os que degustei na ProWein tinham graduação alcoólica acima de 14% e baixa acidez - eu esperava o contrário. Decepcionaram.
Entre todos os pinots noirs disponíveis no Brasil, vindos de várias partes do mundo, alguns vinhos até podem ser bons, mas parecem merlot, gamay ou qualquer coisa, menos pinot noir.

(Fonte : Jornal Valor Econômico / imagem divulgação)

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