segunda-feira, 17 de dezembro de 2012

QUER VIAJAR USANDO AS MILHAS DO CARTÃO? CUIDADO PARA NÃO SE FRUSTRAR


Seu gerente falou tanto que o convenceu a adquirir um cartão de crédito diferenciado. Você nem se importou em pagar a taxa de anuidade que, ao contrário dos cartões básicos, é bem salgada. As vantagens eram muitas, a começar pelo programa de recompensas. Com o cartão top de linha você tem acesso a diversos serviços e pode trocar seus pontos por passagens aéreas e vários tipos de produtos. Certo?
Não é bem assim. Enquanto você está só pagando, na expectativa de usufruir dos benefícios, tudo parece um mar de rosas. As dores de cabeça só aparecem na hora em que você resolve resgatar os pontos. É o caso do servidor público Gabriel Moreira Pinto, 25 anos. Como muitos consumidores que pretendiam viajar no fim do ano, ele foi pego de surpresa pela mudança de regras feitas pelos bancos no meio do jogo, e sem avisar ninguém.
No Itaú, instituição da qual Gabriel é cliente, o total subiu de 5 mil para 20 mil. Viajante assíduo, ele teve que tirar do bolso o dinheiro das passagens de uma viagem à Bahia, mesmo tendo 16 mil pontos acumulados pelas compras feitas com o cartão de crédito. “Antes, quando o limite era de 5 mil pontos, eu podia acumulá-los em dois ou três meses e fazer viagens curtas. Agora, para conseguir resgatar 20 mil milhas, vou precisar de, aproximadamente, um ano e, nesse meio tempo, ficar comprando passagens”, desabafa.
De olho em um bilhete aéreo para curtir as férias no Rio de Janeiro, Milliano Tolentino, 24 anos, só percebeu que não poderia resgatar os pontos do cartão de crédito do Banco do Brasil há uma semana. A instituição aumentou de mil para 10 mil o mínimo de pontos que os clientes deveriam acumular para usufruir dos benefícios. “Só faltavam mil milhas para que eu pudesse cobrir totalmente o valor da passagem. Quando entrei no site do banco, uma mensagem automática informava que eu não possuía o mínimo necessário de pontos”, conta.
O mais grave é que os pontos acumulados têm prazo de validade, o que torna mais difícil utilizá-los. Quem ganha com isso são apenas as empresas aéreas e os bancos, que não precisam desembolsar nada. Tolentino fez as contas e constatou que, se gastar R$ 1 mil por mês no cartão de crédito do BB, em um ano — tempo em que os pontos expiram — terá o equivalente a cerca de 6 mil milhas, bem abaixo dos 10 mil necessários para o resgate. “No fim, só quem consome muito e possui um limite alto poderá ter os descontos nas passagens”, lamenta.

Queixas

O desapontamento por não conseguir realizar a tão sonhada viagem “de graça” é, segundo a Fundação de Proteção e Defesa do Consumidor (Procon/SP), uma das maiores queixas registradas pelo órgão. “O consumidor junta pontos durante meses, acreditando que vai usá-los da forma e no período desejados, mas não é bem assim. Quando ele decide trocar os pontos, depara com contratos extremamente restritivos”, explica a assessora técnica do Procon Fátima Lemos.
Para a coordenadora Institucional da Proteste, Maria Inês Dolci, é preciso ficar claro que os programas de milhagem não são um benefício concedido pelas operadoras de cartões. “As pessoas acham que é um bônus dado pelos bancos, mas elas pagam por isso. Os pontos decorrem dos gastos que elas fazem. É uma forma de usufruir daquilo que elas já pagaram”, enfatiza.
A recorrente falta de clareza nos contratos e a carência de informação ao consumidor na hora de mudar as regras dos programas acenderam a luz vermelha no governo. Em audiência pública na Câmara dos Deputados, o coordenador do Departamento de Proteção ao Consumidor (DPDC), do Ministério da Justiça, Danilo Doneda, afirmou que o órgão está de olho nos abusos das operadoras de cartões. Segundo técnicos do governo, algumas delas devem ser notificadas na próxima semana. Questionados pelo Correio, Banco do Brasil e Itaú admitiram a mudança de regras, mas alegaram que tudo foi explicitado nos respectivos sites dos programas. O Bradesco não respondeu.
Avisar pelo site, no entanto, não pode ser considerado suficiente. “Houve falha na comunicação com os clientes”, diz Gabriel. “Eu soube do aumento do limite por um blog especializado que tem informações sobre passagens aéreas. Só então entrei no site do banco e vi que era verdade”, reclama. “Se tivessem avisado com antecedência, muita gente poderia ter resgatado os pontos, mas eles fizeram a mudança do dia para a noite.”
Segundo o Itaú, as modificações no programa Sempre Presente ocorreram em função da política de preços praticadas pelas companhias aéreas. Já o Banco do Brasil alega que simplesmente alinhou-se às práticas de mercado. “O limite é de 10 mil pontos, a mesma média de milhas que as companhias aéreas cobram para emissão de um bilhete nacional, emitido em prazo maior que sete dias. Se a opção do cliente é emitir trechos aéreos no Programa Dotz, não há limites para transferência”, afirma nota da instituição.
Também cliente do Itaú, Bruno Mazeto, 31 anos, é mais um consumidor que enfrenta problemas para conseguir trocar os pontos, após a alteração das regras. Mesmo com cerca de 12 mil pontos acumulados, ele teve que comprar de outras pessoas para tentar conseguir passagens para a Venezuela — o equivalente a 30 mil milhas — no ano que vem. “Também não fui avisado. Soube da notícia por alguns amigos e fui conferir no site”, explica. Para evitar que o bônus expire, Bruno já pensa em utilizar os pontos acumulados em outra finalidade. “Se eu não conseguir completar a quantidade necessária para trocar por milhas aéreas, vou usar para comprar eletrodomésticos mesmo”, diz.
Segundo o Procon/SP, as regras não poderiam ter sido modificadas de forma unilateral. “Trata-se de uma prática abusiva, proibida pelo Código de Defesa do Consumidor”, disse a supervisora de Assuntos Financeiros da entidade, Renata Reis. Ela explica que o contrato feito anteriormente com o cliente tem que ser respeitado. “A alteração que pode ser feita é para agregar valor, ou seja, dar mais vantagens para o consumidor”, avisa.
De acordo com a especialista, qualquer alteração feita no meio do caminho pode e deve ser questionada. Renata orienta o consumidor a exigir da instituição financeira o cumprimento do contrato. Para isso é preciso ter em mãos o documento original ou qualquer panfleto em que foram explicitadas as ofertas. “Não adianta ir pelo site porque, na maioria das vezes, eles informam a mudança e logo tratam de tirar do ar as regras antigas.” Caso a pessoa não seja bem-sucedida nessa empreitada, as reclamações devem ser levadas aos órgãos de defesa do consumidor e também ao Banco Central (BC). Cabe, inclusive, ação para o ressarcimento de perdas na Justiça.

Propaganda

Enquanto isso, propaganda sobre as vantagens dos programas de incentivo é o que não falta. A consultoria em varejo financeiro Boanerges & Cia divulgou um estudo garantindo que 25% do que os bancos arrecadam com a cobrança de anuidades voltam aos portadores de cartões em forma de pontos. Para a consultoria, que se baseia em dados do BC, a prática de conceder vantagens para incentivar o uso de cartões de crédito já se consolidou e é um benefício claro para o consumidor. “A cada dia, um número maior de pessoas utiliza os pontos adquiridos para obter produtos e serviços, fazendo com que esses programas se tornem obrigatórios na disputa pelos clientes”, salientou Rafael Durer, consultor da Boanerges.
Segundo ele, os dados revelam que 19,02% dos benefícios aos quais os consumidores tinham direito deixaram de ser utilizados em 2010. Já em 2011, esse percentual caiu para 13,87%. De acordo com o consultor, a queda ocorreu porque as pessoas estão mais atentas às vantagens oferecidas, mas as operadoras de cartões precisam avançar na informação aos usuários.

20 mil Pontos que os usuários de cartões de crédito do Itaú precisam acumular parater acesso a benefícios
“As pessoas acham que é um bônus dado pelos bancos, mas elas pagam por isso. Os pontos vêm dos gastos que elas fazem. É uma forma de usufruir por aquilo que elas já pagaram”
Maria Inês Dolci, coordenadora institucional da Proteste

(Fonte : Correio Braziliense)

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