sexta-feira, 12 de agosto de 2011

COPA ERA ALVO DE ESQUEMA, AFIRMA JUIZ



Principais nomes do ministério presos pela PF têm ligações diretas com a preparação do Mundial e da Olimpíada

O esquema que usou empresas falsas para desviar dinheiro em convênio com o Ministério do Turismo planejava fraudar e lucrar com os programas de capacitação do governo para a Copa-2014 e a Olimpíada-2016, segundo as justificativas do Ministério Público Federal para pedir as prisões na Operação Voucher esta semana.
O argumento foi endossado pela Justiça Federal. Foram presos servidores do ministério e empresários investigados no esquema que, segundo a PF, fraudou um convênio de R$ 4,4 milhões.
No total, o ministério planeja investir R$ 257 milhões e treinar 230 mil pessoas para receber turistas durante a Copa do Mundo.
Ao determinar a prisão dos envolvidos, o juiz federal Anselmo Gonçalves da Silva afirma que a Copa iria "potencializar fraudes" no programa de capacitação.
Esse foi o canal utilizado pelo esquema para, segundo a PF, simular treinamentos e desviar dinheiro.
"Fica evidente que as ações são reiteradas, sendo certo que a proximidade da Copa do Mundo e das Olimpíadas, com forte repercussão na área do turismo, poderia redundar na potencialização dessas fraudes", escreveu o juiz ao justificar o pedido de prisão preventiva.

PLANEJADORES

Os principais nomes do ministério que foram presos pela PF na operação têm ligações diretas com a preparação dos eventos.
São eles: Frederico Costa, secretário-executivo do ministério, Colbert Martins, secretário de Desenvolvimento do Turismo, e Mário Moysés, ex-presidente da Embratur.
Frederico e Colbert são os responsáveis pelo programa Bem Receber Copa, destinado a capacitar profissionais da área para receber os turistas durante os jogos, vinculado à secretaria de programas de desenvolvimento.
Mário Moysés, por sua vez, aguardava a indicação para trabalhar na APO (Autoridade Pública Olímpica), parceria do governo federal com o Estado e município do Rio.

OUTRO LADO

Os advogados de Frederico, Colbert e Moysés negam envolvimento de seus clientes e dizem que as prisões são injustificadas.
O Ministério do Turismo informou, em nota, que o programa Bem Receber Copa está em andamento e tem controles realizados pela CGU (Controladoria Geral da República) e pela Fundação Getulio Vargas.
Segundo o Ministério Público Federal, a proximidade com a Copa e o alto volume a ser investido pela pasta é um dos motivos para fundamentar a prisão dos envolvidos no esquema de desvio de dinheiro e, assim, "extirpar as raízes" do grupo durante a preparação dos jogos.
"Sabe-se que parte desses recursos investidos [na Copa e Olimpíada] passará pelo Ministério do Turismo, exatamente onde a organização finca as suas raízes, razões a mais, portanto, para extirpá-la", escreveu o procurador Celso Leal em seu parecer.
Segundo investigação da PF, os R$ 4 milhões do Turismo que deveriam treinar pessoas no Amapá foram desviados por meio de todo o tipo de fraude, incluindo ONGs de fachada, notas fiscais falsas e a conivência de funcionários públicos.

CONTRATO FEDERAL SUSPEITO DE FRAUDE TEM CLONE NO PARANÁ

Um convênio com o mesmo valor, mesmo objetivo e assinado no mesmo dia do contrato que levou a Polícia Federal a investigar a cúpula do Ministério do Turismo também é alvo de suspeitas de fraudes no Paraná.
O caso sugere que as irregularidades encontradas pela polícia no Amapá não são um problema isolado, ao contrário do que se imaginava quando os primeiros resultados da investigação conduzida pela PF vieram à tona no início da semana.
O convênio do Paraná repassa R$ 4,4 milhões para a Sociedade Evangélica Beneficente de Curitiba treinar agentes de turismo.
No Amapá, a organização não-governamental investigada pela PF, o Ibrasi (Instituto Brasileiro de Desenvolvimento de Infraestrutura Sustentável), também conseguiu R$ 4,4 milhões, para fazer a mesma coisa.
Os dois convênios foram assinados no mesmo dia, 21 de dezembro de 2009, pela mesma pessoa, o então secretário-executivo da ministério, Mário Moysés, preso pela PF na terça-feira.
Ambos têm como objetivo treinar 1.900 pessoas para atender turistas, em cursos presenciais e à distância. E são igualmente investigados por suspeitas de fraude.
Uma auditoria feita pelo TCU (Tribunal de Contas da União) no convênio do Paraná detectou indícios de fraude e superfaturamento de preços nas concorrências feitas para contratar as empresas chamadas para executar os serviços previstos no convênio. O mesmo problema foi encontrado no Amapá.
A auditoria do Paraná, concluída nesta semana, está sob análise do ministro do TCU Augusto Sherman, que deve dar um parecer sobre o assunto nos próximos dias.
A Sociedade Evangélica Beneficente tem como presidente licenciado o deputado federal André Zacharow (PMDB-PR), que também é o autor da emenda parlamentar que reservou no Orçamento da União os R$ 4,4 milhões destinados à entidade.
O dinheiro do convênio do Amapá também foi assegurado por uma emenda parlamentar, da deputada Fátima Pelaes (PMDB-AP).
Equipes do projeto da sociedade evangélica visitaram sete cidades no ano passado para divulgar e oferecer cursos gratuitos à população.
As prefeituras confirmam as visitas e informam que cederam salas para a realização das oficinas por cerca de dois meses, mas não souberam informar quantas pessoas compareceram às aulas, de responsabilidade da ONG.
Dizem, porém, que a procura foi grande.
As empresas e pessoas atingidas pela operação da Polícia Federal no Amapá assinaram contratos de mais de R$ 48 milhões com o Ministério do Turismo.
As mesmas empresas que trabalharam com o Ibrasi no Amapá foram subcontratadas pela Fundação Universa, de Brasília, com recursos do Turismo. Só a Universa tem R$ 27 milhões em convênios com a pasta.

SUSPEITOS NEGAM ENVOLVIMENTO EM DESVIOS NO TURISMO E CRITICAM PRISÕES

Os investigados na Operação Voucher negam envolvimento no suposto esquema de desvio de recursos do Ministério do Turismo.
A defesa da ONG Ibrasi refutou a acusação de que a entidade teria criado uma organização criminosa.
Para o advogado Alessandro Brito, as prisões durante a operação ocorreram em uma fase "embrionária" das investigações, e a Polícia Federal se baseou apenas em relatório do TCU (Tribunal de Contas da União) e em escutas telefônicas.
"A partir desse relatório, feito com base em questões técnicas, não dá para cogitar que existe peculato [desvio de verba pública] e formação de quadrilha."
A defesa de Frederico Costa, secretário-executivo do ministério, disse que o pedido de prisão de seu cliente aconteceu porque ele "talvez" tenha participado de uma reunião organizada pelo suposto esquema.
"Não se pode prender alguém porque há a dúvida se participou de uma reunião", afirmou o advogado Antonio Carlos de Almeida Castro.
Segundo a defesa do ex-secretário-executivo do Turismo Mário Moysés, não há provas de sua participação nas irregularidades e ele foi acusado apenas em função do cargo que ocupava.
"Não existe gravação telefônica, quebra de sigilo bancário ou fiscal que evidencie qualquer tipo de vantagem ilícita que ele possa ter recebido", disse o advogado David Rechulski.
O advogado Tiago Cedraz, filho do ministro do TCU Aroldo Cedraz, negou que seu escritório tenha tido acesso privilegiado a auditoria feita pelo tribunal no convênio firmado entre o Ministério do Turismo e o Ibrasi.
Segundo relatório da Polícia Federal, Cedraz foi contratado pelo Ibrasi para que a ONG pudesse "resguardar-se de uma possível decisão prejudicial" da corte.
"O escritório repudia com veemência o juízo de valor colocado no relatório subscrito pela autoridade policial.
Tais imputações mostram-se carentes de qualquer comprovação documental, tomando por base interpretações de trechos avulsos de conversas."

(Fonte : Jornal Folha de S. Paulo)

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