segunda-feira, 18 de outubro de 2010

DINAMARCA QUER SER VERDE VIA IMPOSTO



O fracasso das negociações para um acordo global do clima, que passaram no ano passado pela Dinamarca, não foram suficientes para que o país desistisse de ser líder mundial em ideias verdes. Nem que isso seja feito com base em altos impostos.
Com taxas bastante gordas, o governo dinamarquês está conseguindo, por exemplo, reduzir a emissão de CO2 nos transportes e diminuir o consumo de energia elétrica pela população.
Hoje, 37% dos moradores de Copenhague, a capital do país, circulam todos os dias de bicicleta por cerca de 1,2 milhão de km de ciclovias. A meta é chegar a 50% em 2015.
O motivo de tantas bikes nas ruas é simples: um carro na Dinamarca custa caro, e cerca de 60% do valor dos automóveis vai em impostos.
"Temos uma política de impostos agressiva. É uma maneira de atrair as pessoas economicamente para a questão ambiental", diz Lars Hansen, da Associação de Energia Dinamarquesa- espécie de conselheira do governo para assuntos verdes.
Também há incentivos para deixar os carros movidos a combustíveis fósseis na garagem. "Os veículos elétricos têm menos impostos e a partir do ano que vem estarão mais baratos", diz Hansen.
Hoje, boa parte dos táxis dinamarqueses é elétrica e identificada com uma espécie de selo verde.

PARA APAGAR A LUZ

As contas de consumo de energia elétrica, por sua vez, têm uma incidência de 50% de impostos. O objetivo é motivar os dinamarqueses a evitarem desperdício.
Um casal tira da carteira cerca de R$170,00 (cerca de 70 euros) por trimestre para pagar a conta de energia- o que é considerado bastante caro no país.
Mas, de acordo com Hansen, os dinamarqueses decidiram se tornar "verdes" independentemente dos impostos. "É uma questão de opção de vida", analisa.
Um exemplo disso, na opinião dele, é o alto consumo de produtos orgânicos no país: mais da metade do que se come na Dinamarca tem origem orgânica- trata-se de um recorde mundial. E esses produtos custam de 10 a 20% a mais
do que aquele que utilizam agrotóxicos.
A onda verde atingiu também hotéis e restaurantes locais, e fez com que a rede de supermercados Irma, fundada em 1886, aumentasse significativamente seu faturamento quando passou a ter foco em produtos orgânicos.
A meta do governo dinamarquês é que 80% do total consumido no país seja orgânico em 2015.
Os dinamarqueses também podem optar pelo consumo de energia renovável, como a eólica, pagando cerca de R$ 45,00 (20 euros) a mais por trimestre nas suas contas de luz. "Cada vez mais pessoas fazem essa opção", afirma Hansen.

QUESTÃO CULTURAL

O aumento de impostos para incentivar, por exemplo, o uso de bicicletas poderia não dar certo no Brasil.
"Nos países com distribuição desigual de renda, os mais ricos pagariam as contas altas e os mais pobres simplesmente não teriam como pagar", diz Kristian Wederkinck Olesen, do Consórcio Climático da Dinamarca.
Na opinião dele, cada país deve analisar como implementar políticas ambientais de acordo com sua história e cultura da sua população. "Na China, pode ser que o governo teria de fiscalizar e punir quem não seja verde", exemplifica ele.
"Por causa dessas diferenças culturais, é muito difícil chegar num acordo entre países em reuniões como a que aconteceu na Dinamarca ano passado", conclui Olesen.

PROMESSÔMETRO DINAMARQUÊS

50% da matriz enérgica tendo base eólica até 2050
Hoje, esse valor não passa de 20%, mas isso já faz do país o que mais aproveita o potencial energético dos ventos

80% da matriz energética limpa até esse ano de 2050
Hoje, esse valor não chega a 30%, abaixo do Brasil (45%), mas acima da média dos países industrializados (13%)

70% do transporte público no país (especialmente os ônibus) movido a energia renovável também até 2050
Ideia é utilizar especialmente a biomassa como combustível (como o etanol da cana-de-açúcar produzido no Brasil); hoje, esse valor é zero

PAÍS TEM VASTO PLANO DE METAS COM PROMESSAS AMBIENTAIS

Nem sempre a Dinamarca foi verde. O país teve de encontrar formas alternativas de energia durante a crise do petróleo, na década de 1970.
"Paramos de receber combustíveis fósseis e tivemos de buscar soluções", explica Olesen, do Consórcio Climático da Dinamarca.
O foco recente do país, que hoje tem autonomia energética e várias metas ambientais, é a produção eólica. Hoje, a força do vento movimenta cerca de 20% do total energético do país- a maior participação desse tipo de energia no mundo.
O país almeja que 50% da sua matriz energética seja eólica em 2050-ano em que pretende extinguir o consumo de combustíveis fósseis.
Apesar de pouco ensolarado, o país também pretende aumentar a participação de energia solar, especialmente para aquecimento das casas.
A Dinamarca, aliás, foi sede da COP-15 (Conferência das Nações Unidas para o Clima), no fim do ano passado.
A reunião, no entanto, foi bastante criticada e terminou sem acordos e com o pedido de demissão da sua presidente, Connie Hedegaard.
"Vieram três vezes mais pessoas do que o esperado, muita gente ficou de fora do evento e estava muito frio", analisa Olesen.
"O fracasso não foi culpa da Dinamarca. Essas discussões são difíceis no começo, mas estou otimista para a COP-16 e 17 [ no México e na África do Sul, respectivamente]", conclui.

APESAR DO VENTO, SÓ 1% DA ENERGIA BRASILEIRA É EÓLICA

Enquanto o Brasil fala em explorar combustível fóssil do pré-sal, a Dinamarca está focada em energias renováveis.
E apesar do país escandinavo não ser muito rico em vento, a energia eólica é um foco. "Há 400 anos já se usava turbinas- os famosos moinhos de vento- para se produzir energia", diz Hans Sorensen, especialista em energia eólica.
As turbinas, diz, tiveram um avanço significativo e hoje produzem menos ruído do que "o encontrado em um escritório".
Além disso, hoje em dia é possível estudar as rotas de migrações de pássaros para evitar o impacto desses animais com as turbinas. "Há lugares com bons ventos, mas que não podem ter turbinas por causa das aves", diz Sorensen.
O Brasil, do outro lado do oceano, tem o maior parque eólico da América Latina e aumentou em 15 vezes sua capacidade eólica nos últimos dez anos.
Mas o vento representa hoje menos de 1% da energia produzida no país, apesar da ótima qualidade do vento brasileiro- principalmente no Nordeste.
A energia eólica teve um impulso extra com o Proinfa (Programa de Incentivo a Fontes Alternativas), lançado em 2002. Cinco anos depois, o imposto para importação de aerogeradores, cuja alíquota que era 14%, foi zerada.
A iniciativa gerou reação no setor industrial, que já tinha empresas nacionais trabalhando em energia eólica e se sentiu prejudicado. Desde então, a discussão sobre energia eólica brasileira ficou bastante estacionada.

(Fonte : Jornal Folha de S. Paulo)

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