segunda-feira, 11 de julho de 2016

Governo prepara medidas para atrair aéreas low-cost e reduzir comodidades




Às voltas com uma grave crise no setor de aviação civil, o governo do presidente interino, Michel Temer, está disposto a patrocinar uma reviravolta no mercado da aviação civil com a entrada de empresas de baixo custo (low cost). Apesar da resistência de algumas companhias, o Executivo vai insistir na ampliação do capital estrangeiro para 100%, considerado o primeiro passo para trazer para o país companhias aéreas que oferecem aos passageiros um serviço mínimo em troca de um bilhete barato, que pode custar bem menos que uma passagem de ônibus. Em contrapartida, o usuário não teria direito de despachar mala de graça — poderia apenas levar uma bolsa de mão — nem lanche a bordo. Teria, ainda, de abrir mão de algumas comodidades, como reservar assento, e de conforto, viajando em espaços mais compactos e até em bancos que não reclinam. O check-in não seria mais feito presencialmente.


TARIFA BAIXA, SERVIÇO MÍNIMO



O pacote de medidas proposto por um grupo de trabalho, formado por representantes da Agência Nacional de Aviação Civil (Anac), da Secretaria de Aviação Civil e do Ministério dos Transportes, prevê, para atrair as empresas low cost, que as companhias possam cobrar livremente excesso de bagagem e emitir bilhetes transferíveis a outros passageiros (o que hoje não é possível). Outra aposta é melhorar a infraestrutura dos aeroportos regionais, de forma a também agradar aos parlamentares que barraram a política de céus abertos na primeira tentativa no Senado. Isso porque as companhias de baixo custo costumam operar em terminais secundários.

Enquanto isso, o governo reavalia o programa da aviação regional, lançado pela presidente afastada, Dilma Rousseff, em 2012 e que não saiu do papel. A previsão inicial era de beneficiar 274 aeroportos, mas o número deverá ficar entre 40 e 50, “mais factível”, segundo o ministro dos Transportes, Maurício Quintella, que tem conversado com as bancadas no Congresso, e com governadores e prefeitos, para definir as prioridades.

A abertura do setor aéreo ao capital estrangeiro deverá ser tratada em nova medida provisória, tendo a aviação regional como contrapartida. Além disso, entre outubro e novembro, a Anac deverá publicar a resolução definitiva que trata das condições gerais do transporte aéreo. Entre as medidas, está o fim da franquia obrigatória para bagagem despachada. Diferentemente do texto colocado em consulta pública, a mudança não será gradual, e sim posta em prática de uma única vez. No entanto, será dado prazo de carência de um ano para que as empresas possam adaptar sistemas e esclarecer os consumidores.

TRANSPORTE DE MASSA

De acordo com o ministro dos Transportes, não haverá regras distintas para empresas de baixo custo e tradicionais. Todas estarão sujeitas às regras gerais, como, por exemplo, prestar assistência aos usuários em caso de atraso e cancelamento de voos, bem como pagar indenização por desvio de bagagem. A orientação é reduzir a presença do Estado no setor, com desregulamentação, para estimular a competição e reduzir os preços, a fim de tornar o avião um meio de transporte de massa.

Ao ser indagado sobre a redução dos direitos dos passageiros, o ministro do Transportes alegou que, “ao contrário”, o usuário brasileiro passará a ter acesso a um tipo de serviço que não existe no país. Segundo ele, 25% das pessoas que viajam de avião ganham entre um e dez salários mínimos e não há opção de um serviço mais simples, com tarifas mais baixas para esse segmento da população.

— O passageiro brasileiro precisa ter opção de escolha, com que tarifa ele quer viajar, se quer ir em um voo mais simples ou com mais opções, com transporte de bagagem e serviço de bordo, por exemplo. Quem quiser viajar com uma mala de 23 quilos continuará tendo essa opção, embora vá pagar mais caro. Se ele quiser simplesmente só se deslocar, o que quer a maioria dos passageiros, ou uma faixa importante da população brasileira, terá a opção de pagar uma tarifa mais barata. É o que acontece no mundo — afirmou Quintella.

Ele acrescentou que as empresas low cost sempre se interessaram pelo Brasil, mas não vieram por causa do cenário adverso aos negócios.



COMBOS DE PASSAGENS



Para o diretor da Anac, Ricardo Fenelon, as novas regras estão de acordo com o padrão internacional. Ele lembrou o fim da barreira tarifária em 2001, que fez o volume de passageiros pular de 38 milhões para 118 milhões em 2015, enquanto o preço médio do bilhete despencou em torno de 50%.

— Isso faz parte do processo de desregulamentação. Não significa que estamos defendendo as empresas, pois o consumidor também ganha — disse Fenelon.

O secretário de Políticas Regulatórios do Ministério dos Transportes, Rogério Coimbra, fazendo uma analogia com as redes de fast food, disse que as companhias aéreas brasileiras estão acostumadas a oferecer combos. Ele mencionou ainda como exemplo, por outro lado, o site Booking.com, no qual o consumidor pode optar por hotéis com tarifas e serviços variados (quartos com e sem café da manhã, tarifas não reembolsáveis).

— As empresas nacionais vendem combos de passagens. O usuário não pode comprar só o sanduíche e o suco por um preço menor, mas tem que levar a batata frita e pagar por isso — afirmou Coimbra.

O pacote de medidas para atrair as empresas low cost cita, ainda, a necessidade de o governo federal apoiar um projeto do Senado que limita a 12% o ICMS sobre o querosene de aviação, com como outra proposta em tramitação na Câmara dos Deputados, que altera a Lei do Aeronauta, substituindo horas fixas de jornada e descanso por um sistema de gerenciamento de fadiga dos profissionais. Na nova MP do capital estrangeiro, o governo deverá incluir a transferência do custo das tarifas de conexão para os passageiros que fazem escalas e alterar o Código Brasileiro de Aeronáutica para transformar as empresas, atualmente concessionárias, em autorizatárias, a fim de reduzir a burocracia no setor.



NOVO MODELO DEVE SER INFORMADO COM CLAREZA



Para especialistas em defesa do consumidor, o aumento da concorrência no setor aéreo é necessário e muito bem-vindo, se trouxer redução de preços e aumentar o leque de opções à clientela. A preocupação, dizem, não é com a redução de conforto — como a suspensão de marcação de assentos, serviço de bordo e check-in presencial —, mas sim com a garantia de que haverá clareza de informação sobre o novo modelo da oferta para o passageiro, qualidade e segurança.

— O consumidor tem que ser informado, por exemplo, de que se não fizer o check-in pela internet poderá pagar multa. E a qualidade do atendimento e, obviamente, a segurança, independentemente de a empresa ser de baixo custo, têm de ser garantidas — afirma Maria Inês Dolci, coordenadora institucional da Proteste.

Ricardo Morishita, professor de Direito do Consumidor do Centro Universitário de Brasília, diz que é preciso ainda distinguir o que é conforto de assistência, em casos de atrasos e suspensão de voos, por exemplo:

— Trocar conforto por um preço mais acessível é uma liberdade de escolha. O consumidor só não pode ser surpreendido, ele tem de saber o que está comprando. A assistência é de longe muito mais preocupante que tudo isso. São naturezas diferentes, o primeiro tem relação com utilidade, o segundo com a proteção e a reparação ao consumidor. São regras já postas e que devem ser respeitadas, que asseguram a dignidade do consumidor e reconhecem a sua vulnerabilidade.



PASSAGEIROS ABRIRIAM MÃO DE CERTOS CONFORTOS



As mudanças propostas para baratear as passagens aéreas, que chegariam a competir com um bilhete de ônibus, dividem os usuários. Enquanto a troca do check-in no balcão da companhia pelo serviço eletrônico não encontra ressalvas entre os passageiros, muitos não aprovam a ideia de não ter poltronas reclináveis. Se, por um lado, quem viaja sozinho e por períodos curtos abriria mão facilmente de bagagens despachadas gratuitamente e lugares marcados, o fim dessas comodidades não é bem-visto por famílias que voam juntas.

Para a engenheira Liliane Maciel, as medidas seriam positivas, pois aumentariam a competitividade entre as empresas. Ela alerta, no entanto, que não poderiam afetar a qualidade de serviços que não são diretamente ligados ao consumidor, como a manutenção dos aviões:

— Cada passageiro escolheria segundo sua necessidade.

Quando morou fora, o empresário Marcelo Pizzato usou muito as low cost. Mas ressalta que, se o preço do bilhete é baixíssimo, o passageiro pode ser surpreendido, na hora do embarque, com tarifas que custam o dobro da passagem, se tiver de despachar a mala ou pagar seguro para transportar um equipamento.



Preço alto para pouco uso



O empresário curitibano Guilherme Tissot conta que faz pelo menos uma viagem por semana a trabalho para o Rio ou para São Paulo. E, nessas pontes aéreas, normalmente leva apenas uma mochila.

— Não despacho bagagem. Poder pagar menos por abrir mão de uma comodidade da qual não usufruo, como já ocorre em muitos países, seria muito interessante. Como são viagens curtas, também não costumo consumir nada a bordo, não faço questão do serviço.


A bagagem que sai cara



Viajando com o marido, Marcel Amorim, e os três filhos, a odontóloga Nívea Almeida diz que aceitaria abrir mão de algumas comodidades, caso a passagem fosse oferecida por um valor bem menor. A questão da bagagem, no entanto, a preocupa:

— Poderia ficar sem o serviço de bordo ou o check-in. Mas, como nossa família é grande, pagar para despachar as bagagens acabaria saindo muito caro.


Reclinar é o básico



O farmacêutico José Carlos Almeida e sua mulher, a médica Rita Mostroni, viajam muito a lazer. Ele diz que abriria mão da poltrona reclinável em trajetos curtos. Já ela admite que não aceitaria em viagem alguma.

— O lugar marcado não faz diferença, e já fazemos o check-in pela internet. Abrir mão desses serviços não seria um problema. Mas a poltrona reclinável é o básico, não dá para ficar sem — comenta Rita.


Só em trajetos rápidos



A engenheira Liliane Maciel viaja sempre nas férias e diz que abriria mão do atendimento pessoal no check-in — que já está acostumada a fazer pela internet — e do assento previamente marcado. Mas, no caso das viagens longas, ela não aceitaria ficar sem o serviço de bordo nem abriria mão do conforto da poltrona reclinável:

— Só ficaria sem esses serviços em viagens muito rápidas.



ARTIGO: DESAFIOS E OPORTUNIDADES

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Várias pessoas acreditam que o transporte aéreo é um setor especial da economia. Por isso demandaria atenção igualmente especial, uma vez que encerraria elementos de ser um “serviço essencial” e guardaria relação à “soberania” e à “segurança nacional”. Eu não estou no grupo que pensa assim. Afinal, todo e qualquer setor tem suas características próprias, não raras vezes únicas.

Além disso, acredito que vários outros setores são muito mais essenciais e de natureza “estratégica”. Exemplos: saneamento (água potável, esgoto tratado), saúde, educação, energia (geração, transmissão), telecomunicações e agronegócio são, na minha visão, muito mais “estratégicos” e “essenciais” que o transporte aéreo.

Alguém acredita que viajar de avião de São Paulo para Fortaleza, por qualquer motivo que seja, é mais importante que ter educação, saúde, água filtrada e limpa, esgoto tratado e energia elétrica em casa?

Uma pausa: sim, o transporte aéreo é muito importante para a sociedade brasileira e para o funcionamento do mundo moderno; isso é inegável. Mas daí a ser visto e tratado como algo “único” e merecedor de atenção “especial” já vai uma distância sem par. Nesse sentido, se temos capital estrangeiro livre nestes setores mais “estratégicos” e “essenciais” que o transporte aéreo, qual o problema termos liberdade total para o capital estrangeiro nas empresas aéreas brasileiras? Ora, esse capital vai gerar empregos e pagar impostos no Brasil, seguir as leis brasileiras, ser fiscalizado pelos devidos entes reguladores.

Como se não bastasse, precisamos de muito mais concorrência: o país tem hoje quatro empresas dominando mais de 97% de toda a movimentação de passageiros. Há dezenas de ligações servidas por uma única companhia. Há centenas de ligações que não são mais servidas por nenhuma! Em resumo: precisamos de novas empresas aéreas!

Além disso, precisamos de novos modelos de negócio, que desafiem o status quo que temos hoje aí. Modelos como os de “ultrabaixo custo” de Ryanair, Spirit e Scoot teriam campo fértil no Brasil e aumentariam significativamente a base de clientes na sociedade brasileira.

Como se não bastasse, precisamos de empresas verdadeiramente de foco e atuação regional, que atuem exclusivamente no interior do país. Ou alguém acredita que temos empresas aéreas regionais de fato operando no Brasil? Assim como em outros setores, quebrar paradigmas regulatórios é fundamental no transporte aéreo. É essencial para abrir oportunidades de negócios, diversificar os modelos existentes, aumentar a concorrência, beneficiando a sociedade como um todo.



(Fonte : Jornal O Globo / Imagem divulgação)

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