No dia primeiro de julho, um casal estava junto ao Cristo Redentor. Não fotografava. Parecia analisar o local. Avaliava detalhes do pedestal e da trilha próxima. Tal atitude, pouco comum a um turista, chamou a atenção de uma pessoa que trabalha no Corcovado, que fotografou a dupla e encaminhou a imagem ao guarda municipal Marco Antônio do Carmo, líder operacional da GM no monumento. A foto, repassada por Marco a seus superiores, foi parar nas mãos de autoridades federais. Diretor de Inteligência da Secretaria Extraordinária de Segurança para Grandes Eventos, do Ministério da Justiça e Cidadania, o delegado William Murad tem conhecimento do fato, mas mantém o desfecho sob sigilo. A testemunha e o guarda não ficaram sabendo se o casal consta de alguma lista de procurados, mas estão certos de que seguiram à risca o que aprenderam num curso para identificar suspeitos de atos terroristas.
Uma grande “tropa” civil está sendo treinada
por órgãos como Ministério da Justiça, Marinha (brasileira e americana),
Exército, Polícia Federal, Secretaria de Segurança e unidades especializadas da
PM, com o objetivo de multiplicar os olhos antiterror na Cidade Olímpica. Por
meio de palestras, estágios e exercícios, empregados de concessionárias de
serviços públicos, pontos turísticos e museus estão sendo capacitados para
observar comportamentos e detectar possíveis sinais suspeitos. As cerca de 150
pessoas que trabalham no Museu de Arte do Rio (MAR), na Praça Mauá, por
exemplo, foram treinadas pela Marinha. No dia 18, será a vez do pessoal do
Museu do Amanhã. Nos próximos dias, a Secretaria de Segurança lançará uma
campanha em mídias digitais para alertar a população em geral, como informou o
colunista Ancelmo Gois.
— Antes, quando eu encontrava um objeto
deixado num canto, minha atitude era pegá-lo, guardar e ver se aparecia o dono.
Agora, isolo o local com cones e fitas. Depois, fotografo o objeto e mando para
a Guarda, que encaminha para o Centro de Operações da prefeitura, onde tem
sempre alguém do Esquadrão Antibombas para avaliar o risco — ensina o guarda
Marco.
Operadora de caixa do Café Cristóvão, no
térreo do prédio do MAR, Laylla Santos também aprendeu a lição:
— Se eu achar uma bolsa ou uma mochila, não
vou mexer. Pode ser simplesmente algo perdido. Mas, na dúvida, devemos chamar a
segurança.
Hannah Drumond, gerente de comunicação do
MAR, outra que acompanhou a palestra, diz que é preciso estar atento a tudo o
que é anormal:
— Cheiros e líquidos podem ser indícios de
arma química. É o caso do cheiro de grama cortada, de terra molhada ou de
amêndoas, quando não há nada disso por perto. Uma garrafa com líquido vermelho
colocada nos pilotis também serve de alerta. Uma pessoa que num dia de calor
usa vários casacos, boné, rosto tapado, é mais um sinal.
MUSEU TERÁ PLANO DE EVACUAÇÃO
Além de treinar o seu pessoal, o MAR adotou
medidas visando a garantir a segurança daqueles que forem ao museu nos Jogos —
a expectativa é que duplique o número de visitantes, que é de 1.130 em média
por dia. A lateral do museu terá um gradil para acomodar a fila de acesso.
Haverá um único portão de entrada e saída, e todos passarão por detectores de
metal. Bolsas deverão ser deixadas num dos 420 escaninhos do guarda-volume.
Já o treinamento da equipe do Museu do Amanhã
incluirá até um plano de evacuação do prédio, conta o diretor-geral Ricardo
Piquet:
— Além disso, a Marinha fará a vigilância da
área externa do museu. Estão para chegar os oito detectores de metal que
contratamos, que ficarão na entrada. A saída do público será feita só por trás,
onde haverá oito catracas coletoras dos ingressos, quatro de cada lado. Assim,
teremos o controle de quem ainda está no museu.
Como medida de segurança para a Olimpíada, a
concessionária Trem do Corcovado também decidiu comprar dois portais com
detectores de metal. A checagem acontecerá antes da entrada no trenzinho. Há seis
meses, a empresa contratou ainda policiais do Proeis (Programa Estadual de
Integração na Segurança), em segundo emprego, para reforçar o patrulhamento.
— Outra medida que estamos avaliando é trocar
as mochilas dos visitantes por sacos plásticos. Eles colocariam seus pertences
no saco e, na volta da visita, devolveríamos a mochila — conta Sávio Neves,
diretor da concessionária.
—É preciso observar o comportamento de
pessoas aparentemente nervosas e que, estando no Cristo, em vez de fotografar a
estátua e a paisagem, focam em câmeras e portas — ensina um consultor de
segurança das concessionárias Trem do Corcovado e Paineiras-Corcovado, que fez
curso antiterrorismo no Comando Militar do Leste (CML) e tem ministrado
palestras no Cristo para repassar os ensinamentos.
MONITORAMENTO NA ARQUIDIOCESE
Reitor do santuário do Cristo Redentor, padre
Omar Raposo informa que serão instaladas 20 câmaras no local. Uma central de
monitoramento está sendo montada na Glória, na sede da Arquidiocese. O
monumento e seus acessos serão monitorados pelas forças de segurança. Não
ficarão de fora nem as trilhas, patrulhadas pelo Comando de Policiamento
Ambiental. A Arquidiocese , no entanto, quer ampliar ainda mais o cinturão de
segurança do Cristo, e está pedindo que as Forças Armadas e a Força Nacional
ocupem a área.
Desde abril, também tem sido treinado o
pessoal que trabalha na concessionária CCR Barcas. Eles participaram de cursos
e exercícios com militares da Marinha brasileira, da Força de Operações
Especiais da Marinha Americana (SEALs) e do Bope. Quinze PMs do Batalhão de
Ações com Cães também fizeram uma simulação numa embarcação: no exercício, cães
farejadores procuraram por drogas, armas e substâncias explosivas. Desde então,
Adriana Silveira Vaz, uma das comandantes da Barca Corcovado, passou a observar
ainda mais os passageiros no embarque e na travessia:
— Sempre que vemos um passageiro inquieto,
chorando ou indo muito ao banheiro, acompanhamos.
Também já participaram de palestras e
simulações equipes da Companhia de Desenvolvimento Urbano do Porto (Cdurp), do
VLT, da Rodoviária Novo Rio, da concessionária Porto Novo, da MetrôRio e da SuperVia.
Na Novo Rio, câmeras de monitoramento estratégico foram ligadas ao Centro
Integrado de Comando e Controle (CICC). Para os Jogos, o CICC vai dispor de
mais de cinco mil câmeras (duas mil na Região Metropolitana, 1.500 em veículos
da PM e duas mil que estão sendo colocadas em rotas e instalações olímpicas).
Os atendentes do serviço 190 fizeram o treinamento, e, hoje, será a vez da
equipe do Disque-Denúncia. Há palestras previstas ainda para profissionais de
Cedae, Fetranspor, Light e Detro.
Segundo a MetrôRio, não só seus 400 agentes
de segurança, mas todos os funcionários — de bilheteiros a profissionais de
limpeza — receberam treinamento. A SuperVia diz que este ano mais de 700
pessoas, incluindo terceirizados, receberam treinamento com foco na percepção a
ameaça terrorista e providências a serem adotadas em casos de ataque. No dia
16, está previsto um grande simulado na estação Deodoro, que reunirá Forças
Armadas, polícias Civil e Militar, Corpo de Bombeiros, Defesa Civil e Agência
Brasileira de Inteligência (Abin). A ação simulará um ato terrorista num trem,
com explosão de bomba, feridos e reféns.
ATÉ LIXEIRAS REPRESENTAM PERIGO
Em meio à preocupação com a segurança durante
a Olimpíada, sobrou até para as papeleiras espalhadas pela cidade: descartar o
lixo em determinadas ruas será uma tarefa difícil durante o evento. Cerca de
dez mil das 70 mil “laranjinhas” instaladas no Rio serão retiradas durante as
competições de rua e reinstaladas pela Comlurb depois das provas. Além disso,
lixeiras de maior capacidade podem ser deslocadas para ficar longe de
aglomerações. A informação é do presidente da Comlurb, Luciano Moreira, que
prepara uma operação de logística complicada para montar e desmontar as cestas
no mesmo dia. A medida atende a uma orientação, dada no fim de junho, por
autoridades da área de segurança, durante uma reunião de planejamento do
evento.
A preocupação dos órgãos de segurança é que
as papeleiras possam servir de esconderijo para explosivos, caso haja alguma
tentativa de ato terrorista durante o evento. Papeleiras foram usadas, por
exemplo, para esconder as duas bombas caseiras feitas com panelas de pressão,
que explodiram no dia 15 de abril de 2013, durante a tradicional Maratona de
Boston, nos EUA. O ataque deixou três mortos e 264 feridos, dos quais 17
tiveram membros amputados. As bombas foram escondidas perto da linha de
chegada.
‘LOBOS SOLITÁRIOS’ SÃO MOTIVO DE PREOCUPAÇÃO
A principal preocupação do Comando Conjunto
de Prevenção e Combate ao Terrorismo (CCPCT), do Ministério da Defesa, durante
a Olimpíada do Rio, é com a ação dos chamados “lobos solitários”. Nesse tipo de
ação, o simpatizante do terrorismo age sozinho, sem o apoio logístico de grupos
radicais, o que dificulta as ações de prevenção e repressão. O CCPCT foi criado
em janeiro de 2015 — dentro dos preparativos para o evento — e tem a
participação das três Forças. Na semana passada, a Agência Brasileira de
Inteligência (Abin) revelou, como mostrou O GLOBO no sábado, que já monitora
pelo menos cem pessoas que teriam, segundo o órgão suspeita, potencial para
cometer atos de violência durante o evento.
A maior parte dos suspeitos é de origem
estrangeira e está em áreas de fronteira, como Rio Grande do Sul, Paraná e Mato
Grosso do Sul. Todos eles demonstraram simpatia por ações patrocinadas pelo
Estado Islâmico.
A Abin sabe, inclusive, que pessoas ligadas
ao EI criaram um grupo para trocar mensagens em português, através do
aplicativo “Telegram”. A comunidade, chamada Nashir Português, foi criada no
dia 20 de maio deste ano . Uma das mensagens trocadas reproduz um discurso de
Abu Muhammad al-Adnani, porta-voz do Estado Islâmico. A Abin observou que o uso
de redes sociais é uma prática da entidade não apenas no Brasil como em outros
países em todo mundo, principalmente para recrutar jovens.
O plano de prevenção que as autoridades
federais desenvolveram prevê 25 cenários sobre como poderiam ser esses ataques
terroristas e como combatê-los. Um desses cenários, tema de um treinamento de
militares em Brasília há algumas semanas, por exemplo, estabelece como proceder
no caso de ataques simultâneos em vários locais, como aqueles que provocaram
137 mortes (incluindo sete terroristas) em Paris, em novembro do ano passado.
Ao todo, o Comando Conjunto de Prevenção e Combate ao Terrorismo terá 1,1 mil
militares no Rio durante o evento, incluindo atiradores de elite e “snipers”.
SINAIS DE ALERTA
Cheiro: Odores de amêndoas, terra molhada ou grama cortada podem
indicar a presença de arma química.
Bolsas: Malas e outros objetos não devem ser tocados, especialmente
aqueles que contêm manchas molhadas ou odores químicos, fios expostos e
deixados em áreas restritas.
Comportamento: Ziguezaguear de um lugar para outro; fingir
estar só; parecer estar evitando a polícia; resistir a cooperar com os
procedimentos de segurança; estar confuso e desorientado; agir com muita arrogância
e se concentrar em um ponto de interesse de forma diferente de um turista.
Suspeito: Usa roupas volumosas e incompatíveis com o
clima; tem fios exposto sob a roupa (possivelmente através da manga); postura
rígida (indica possível dispositivo explosivo ou arma); mãos apertadas
(possível dispositivo de detonação); sudorese; parece focado e vigilante; mãos
nos bolsos; não responde a saudação; com mochila ou sacola pesada.
(Fonte : Jornal O Globo / Imagem divulgação)
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