O debate
no governo e no Congresso para socorrer as companhias aéreas nacionais, que
somam hoje prejuízos bilionários, está ainda poluído por "cortina de
fumaça", na opinião de Antonoaldo Neves, presidente da Azul.
É "o
fim da picada" a proposta que permitia a participação de 100% de empresas
estrangeiras nas nacionais, sem pedir reciprocidade de outros países — trecho
da medida provisória que o governo do presidente Michel Temer prometeu vetar.
Medidas
como a redução do teto do ICMS (imposto estadual) para o querosene ainda não
são suficientes. Melhor seria baixar também o preço do combustível.
Na
entrevista, Neves falou ainda sobre como cobrar pela bagagem poderia inserir
mais passageiros no mercado.
Folha - A
proposta de liberar participação de 100% nas companhias nacionais às
estrangeiras não é consenso no setor. A Latam, por exemplo, apoia. Qual é a sua
posição?
Antonoaldo
Neves - Se
olharmos as práticas globais, não há referência de 100%. As pessoas não estudam
para falar do assunto. Qual é o objetivo de adotar uma abertura diferente da
que temos hoje como política pública para o país?
E por que
não adotar?
Argumentar
que falta capital estrangeiro no Brasil para aéreas é uma falácia. A Azul
captou nos últimos 12 meses US$ 550 milhões de capital estrangeiro. Captamos
US$ 400 milhões em financiamento de aeronaves com bancos estrangeiros com
dívida no exterior, o que também é capital. Há abundância de capital
estrangeiro. O que está se discutindo é controle.
Defensores
dizem que a liberação do 100% impulsionaria a entrada empresas de baixo custo,
as "low cost".
A tarifa
média no país é R$ 300, cerca de US$ 80. A tarifa média da Ryanair, a maior
empresa global de "low cost" é US$ 70. Já temos tarifa de "low
cost" no Brasil, embora ainda não seja o limite que o mercado pode chegar.
Havendo
reciprocidade, ou seja, desde que uma brasileira também possa adquirir 100% de
uma aérea no outro país, seria aceitável?
A relação
entre países na aviação passa por acordos bilaterais de frequências. Se
liberássemos 100% do capital estrangeiro, estaríamos autorizando uma empresa
como a Lufthansa, ou qualquer outra, a vir ao Brasil, abrir uma empresa de
capital estrangeiro e ter direito às minhas frequências. E eu, como empresa
brasileira, não tenho direito às frequências dela na Alemanha. Pensando em
política pública, liberar 100% sem negociação bilateral é o fim da picada.
Vamos discutir céus abertos com Europa, Argentina. Vamos liberar os vistos para
os EUA. Nós topamos céus abertos se liberar os vistos. Se eu tivesse condição
de competir de igual para igual com estrangeiras, não teria problema. Deixa eu
abrir empresa na Alemanha? Por que vamos ceder sem o país tirar proveito? É
cortina de fumaça. Não vou especular sobre o real objetivo, mas não entendemos
como a política pública bem pensada pode levar o país a mudar isso.
Qual é o
efeito para o consumidor?
Os aviões
são ativos móveis. É falácia dizer que, se eu liberei capital estrangeiro para
automotivo, telecom, energia, tenho que liberar a aviação. Nenhuma empresa que
investiu em barragem no Brasil vai retirar a barragem voando. Nem cabos de
telecomunicação vão sair voando. Mas existe um efeito no aéreo. Um dos grandes
motivos pelos quais Europa, EUA, Índia não liberam é porque os ativos são
móveis. Para não dar espaço a grandes flutuações da oferta. Porque quem sofre
com isso é o consumidor. Não queremos que, do dia para a noite, cem aviões que
estão hoje voando na África sejam colocados para voar no Brasil em dezembro,
janeiro e julho para aproveitar aqui o momento em que a demanda é melhor. Para
cobrar uma tarifa mais alta e ganhar dinheiro em julho, companhia aérea no
mundo todo perde dinheiro nos meses de baixa. Não pode permitir que uma empresa
aérea pegue 30 aviões e esteja na Europa em agosto [quando lá é alta], em
julho, no Brasil. E fique circulando o mundo e fazendo grandes oscilações na
oferta. Porque nos meses de baixa essa oferta vai acabar e o preço da passagem
no período de baixa vai subir. Se todos os países fossem 100% eu ia dizer que
eu estou errado. A Câmara passou essa discussão no atropelo, sem debate.
E o alto
preço do combustível? O governo está se movendo nisso. É satisfatório?
Não é
suficiente. Defendemos o ICMS com limite máximo de 12%. A Azul é a empresa que
menos se beneficia com isso porque já tem acordo de ICMS com todos os Estados
menos com São Paulo. Como fazemos aviação regional, temos poder maior de
negociação nos Estados. Meu ICMS na Bahia é em torno de 7% ou 8%. Mas não vou
atacar uma medida porque só os outros se beneficiam.
Quando eu
vejo o preço do querosene de aviação que eu abasteço em Miami custar R$ 1,36 e
o litro ser R$ 2,25 em Campinas, fico desapontado. Na aviação regional que
fazemos, há cidades em que custa até R$ 4,90. A tarifa média do interior é mais
alta que a das capitais por causa do querosene de aviação. Isso é subsídio para
a Petrobras e para os distribuidores.
O que
seria o ideal?
O
problema não é o ICMS. É baixar o preço. Passa por uma política pública mais
clara do combustível. É absurdo não colocar no Congresso a discussão de como a
Petrobras e os distribuidores são hoje subsidiadas pelo passageiro por causa do
sobrepreço do querosene de aviação.
Esse
investimento que vocês têm dos chineses aumentaria se o 100% fosse liberado?
Já
poderia aumentar hoje sem isso. As estruturas de capitais que existem hoje
aprovadas pela CVM já permitem que 80% do capital seja estrangeiro. Porque
existe capital votante e não votante [a proibição é para capital votante]. Se
já é assim, para que mudar? Porque se quer resolver outro problema. Não vou
ficar fazendo suposições.
E a
cobrança de tarifa por bagagem? Qual é a vantagem?
Vamos
supor que a tarifa média é R$ 300. Se você viaja com bagagem, paga R$ 350. Eu
viajo sem bagagem, pago R$ 250. Para a companhia aérea aparentemente não muda
nada. Porém há muita gente que viaja a R$ 250, mas não viaja a R$ 300. Quando
eu posso cobrar pelo serviço que só você está usando, eu incluo novos
consumidores no mercado.
Qual é o
sentido da medida que flexibiliza atrasos em Congonhas?
Isso
começou com uma discussão de que a oferta de Congonhas está até hoje controlada
artificialmente. Poderia ter mais voos por dia. Deveria ser interesse do país
que tivesse mais voos lá.
Isso se
deve ao trauma da tragédia que houve lá em 2007 [acidente com avião da TAM que
matou 199 pessoas]?
Sim. Mas,
se você olha a quantidade de voos de 2007 e o que tem hoje, a diferença é
abissal. E se analisar as investigações, não tem nada a ver com a quantidade de
voos. O avião não sai da pista porque tem muito voo passando. Se fosse choque
no ar de dois aviões... A verdade é que Congonhas é um aeroporto que tem uma
rentabilidade maravilhosa para as companhias porque nesse setor, quando você
controla artificialmente a oferta, pode subir o preço.
Não é
interesse das companhias que dominam aquele aeroporto de aumentar, imagino eu
–não estou falando em nome delas.
A
resolução que foi cancelada [previa regras mais duras para atrasos e
cancelamentos de voos] objetivou desde o início mais do que evitar o controle
artificial de oferta, de disponibilidade de slots. Ela queria impedir uma
prática muito comum em Congonhas: de ter um voo às 11h, um às 11h30 e outros às
12h, cancelar um deles e juntar com os outros dois. Isso é controlar a oferta
artificialmente. Então a resolução que veio previa que se você cancelar mais de
10% dos seus voos por razões não meteorológicas, perderia o slot.
Por que
baixou a régua eu não sei. Houve uma consulta pública quando levantou a régua,
que passou de 80% para 90%. Falaram que a Azul era a única beneficiária disso.
A mesma resolução que falava do atraso e do cancelamento também falava que não
podia operar avião pequeno em Congonhas. Por um lado, derrubar a resolução
acertou porque tira uma restrição artificial que é o fato de Congonhas não
poder operar voo de ATR [avião menor] para Araraquara. Para a Azul isso é bom e
para qualquer empresa que queira comprar aviões menores é bom. Mais competição
no aeroporto é bom para o cidadão.
RAIO-X
EMPRESA E EXECUTIVO
Antonoaldo Neves
Idade 42
Trajetória
Assumiu o comando da Azul em 2014. Antes foi executivo desde 2000 da consultoria McKinsey, onde, em 2012, coordenou o processo de fusão da Azul e da Trip
Assumiu o comando da Azul em 2014. Antes foi executivo desde 2000 da consultoria McKinsey, onde, em 2012, coordenou o processo de fusão da Azul e da Trip
Azul
Receita no ano passado US$ 1,9 bilhão
Aeronaves 125 unidades
Número de funcionários Mais de 10 mil
(Fonte : Jornal Folha de SP)
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