quarta-feira, 23 de maio de 2012

A HORA DO ATUM


Era um fim de tarde, já escuro, de uma terça-feira de garoa. Na porta de aço que protege uma peixaria nas redondezas do Mercadão formava-se, por volta das 17h, um burburinho louco.
Eram donos de restaurantes japoneses e sushimen de todos os cantos da cidade.
Estavam a esperar, numa ansiedade sem disfarce, o atum "bluefin", o mais raro e cobiçado do mundo, que estava a caminho.
Nunca nenhum daqueles cozinheiros, muitos deles há 30 anos nesse mercado, havia visto um peixe daquele tamanho: robusto, prateado, brilhante, de 470 kg e quase três metros de comprimento.
Desde a década de 70, diziam, um peixe daquele porte não era pescado no Brasil.
Quando são pegos, geralmente em águas mais profundas e frias (onde acumulam mais gordura, que serve de energia e isolamento térmico), vão direto para o maior mercado de peixes do mundo, em Tóquio, que já foi cenário de leilões milionários.
São os japoneses, fanáticos pela pesca do atum, que observam por imagem de satélite, à exaustão, os padrões migratórios desses animais velozes, que se alimentam de sardinha, lula e arenque.

TECNOLOGIA

Assim, incrementam a busca em alto-mar, em barcos espalhados pelos oceanos, com altíssima tecnologia, que lhes permite "fisgar" os peixes em grandes profundidades.
A disputa era acirrada. Todos estavam a postos para dividir aquele bicho de carne tenra, avermelhada nas proximidades dos músculos, rosada na região da barriga e com filamentos brancos de gordura. Na boca, a carne untuosa desmanchava-se sem esforço.
Após tratado na presença dos sushimen frenéticos, de câmeras em punho, foram aproveitados 380 kg, vendidos por R$ 152 mil (R$ 400 o quilo), preço definido ao final da jornada.

BRIGA DE PEIXE GRANDE

Atum gordo gigante, vendido a R$ 400 o quilo, causa comoção entre chefs japoneses, que o preparam em sushi para o arroz quebrar a untuosidade

Durante os 20 dias em que fica em alto-mar, o atuneiro brasileiro dos irmãos Padilha, que hoje tocam a Natal Pesca -empresa aberta pelo pai em 1996- joga 1.200 anzóis diariamente na água para pescar atum de espinhel.
São ganchos pequenos, "menores que uma mão", mostra Everton Padilha, 29, presos a uma linha firme e resistente, que ganha aparência de um varal, sustentada por um molinete gigante capaz de pegar peixes a cerca de 80 metros de profundidade.
O barco de ferro, de 24 metros de comprimento, com dez tripulantes, sai do porto de Natal (RN) para pescar atuns de outras espécies, mais comuns em águas tropicais, como o "yellowfin" e o "bigeye", ambos menores.
A suspeita é que o "bluefin" que surgiu em seus anzóis estivesse misturado a um cardume de peixes menores, em águas menos profundas.
Mesmo com o auxílio de um guincho hidráulico, que suporta grandes pesos, os tripulantes levaram três horas para trazer o peixe ao barco. O atum-azul foi eviscerado e imerso em gelo para que não perdesse a qualidade.

Chegada

Do porto de Natal, o atum foi para o Recife num caminhão refrigerado. De lá, veio de avião cargueiro, numa caixa compensada de 650 kg.
Ao chegar a São Paulo, o peixe estava como deveria, como ensinam os autores do livro "400 g - Técnicas de Cozinha": apenas refrigerado, praticamente sem cheiro, de textura firme, úmida e escorregadia, com carne bem aderida à espinha.
Quem estava por ali, debruçado sobre o peixe, fisgou um naco da carne com as mãos para provar.
Os dedos brilhavam de gordura, concentrada sobretudo na região da barriga, de onde se extrai o "torô" (parte mais nobre do atum gordo) e na região próxima à cabeça -ambas podem ter até dez vezes mais gordura que os músculos posteriores.
Restaurantes como Aya, Aizomê, Koji, Nagayama, Kosushi e Sushi Lika levaram parte dessa carne valiosa. Ela será servida, até acabar o estoque, a preços que chegam a R$ 100 por dupla de sushi.
A escolha quase unânime entre os sushimen é prepará-lo em forma de sushi: uma fatia do peixe sobre arroz, que quebra a gordura da carne.
Shin Koike, do Aizomê, diz nunca ter visto algo igual, nem em Tóquio.
"Nos melhores restaurantes do Japão, o atum é servido maturado, pois fica mais saboroso", afirma Shin.
"O peixe é cortado em filés com pele e embalado em papel-manteiga, antes de descansar em câmara refrigerada. Vou esperar três dias para ver como a carne fica."
Foi semelhante a reação de todos: a emoção incontida de ter ao alcance das mãos um peixe daquela magnitude e raridade. "Nesta vida eu não vou pegar outro igual, tenho certeza absoluta", diz Koji Yomizo, do restaurante que leva seu nome, no Morumbi.

POPULARIZAÇÃO DO SUSHI LEVOU À ALTA DOS PREÇOS

O primeiro leilão do Tsukiji, o maior mercado de peixes do mundo, também começa o ano cheio de símbolos e presságios.
O melhor "hon maguro" (o atum-azul) leiloado no primeiro dia de abertura do mercado neste ano atingiu o recorde histórico.
Custou R$ 736 mil, o dobro do preço do ano passado. A boa notícia é que ele foi arrematado por uma cadeia japonesa de restaurantes (a Sushi Zanmai). Nos últimos anos, os chineses estavam levando a melhor no primeiro leilão do ano.
Um atum pode atingir esse preço inacreditável quando algumas condições se impõem, como o peso, o tipo, a origem, a época e o método de pesca.

Anzol

O peixe em questão tinha 269 kg, grande para a média pescada no país. Era do tipo "bluefin", o mais apreciado pela sua carne vermelho-escura e por possuir o melhor "torô" (a barriga). Foi pescado com anzol (e não em rede) na parte mais gelada do mar de Aomori, em janeiro.
Graças às técnicas modernas, logo que mordeu a isca foi eletrocutado, sem tempo de se debater (o que formaria hematomas na carne) e soltar adrenalina, hormônio que estragaria seu gosto delicado.
O aumento espetacular dos preços é consequência da popularização do sushi no mundo e da recente entrada dos outros povos asiáticos como grande apreciadores de atum.
Os chineses, que não comiam o atum cru, viraram grandes fãs do produto. O atum é o prato favorito no Japão. Não é à toa que a tecnologia da pesca está cada vez mais avançada no país.

(Fonte : Jornal Folha de S. Paulo / imagem divulgação)

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