terça-feira, 19 de janeiro de 2010

SANGUE DE BOI E CHATEAU D´YQUEM

Entre vinhos e coxinhas, Sorocaba entra no mapa gastronômico
"Se o cliente quer comprar um lambrusco, não tente convencê-lo a levar uma "viúva clicquot". Porque ele vai detestar, e voltar querendo matar quem deu a ideia. Ninguém aprende a gostar de champanhe da noite para o dia". É com uma parábola assim que o principal comerciante de bebidas de Sorocaba, Paulo Bertin, resume as nuances do público a quem se dirige.
Os bons vinhos e os prazeres da mesa estão cada vez mais acessíveis no interior paulista. Sorocaba, a 85 quilômetros de São Paulo, é um exemplo do boom que se estende de padarias a mercados finos. Apesar da euforia crescente, Bertin acha importante lembrar que a iniciação na adega não é tão óbvia quanto possa parecer.
Com ele, pelo menos, não foi. Ao terminar o primeiro dia do curso de vinhos na Associação Brasileira de Sommeliers (ABS), em São Paulo, Bertin foi obrigado a dormir num hotel. "Eu estava dando risada sozinho, não tinha condições de dirigir de volta para casa. Apesar de meu pai ser comerciante de bebidas, eu não costumava beber. Como não segui a recomendação de não engolir todos os vinhos, foi um vexame", recorda.
Ao perceber que era possível beber de forma moderada, Bertin se apaixonou por vinhos - "faço aquele glamour, tomo marcas boas" - e decidiu abrir uma loja, a Maison Bertin, usando o conhecimento que possuía. Contatos não faltavam.
Descendente de uma família de imigrantes, cujo sobrenome francês pronuncia-se "Bertan", mas que, depois de passar pela Itália, chegou ao Brasil como "Bertin", Paulo nasceu num ambiente de comerciantes. Vindos da Itália, o pai e os tios dividiram-se em duas cidades do interior de São Paulo. Os que se estabeleceram em Lins criaram o frigorífico Bertin. Já o pai foi para Tietê, depois para Sorocaba e dedicou-se ao atacado de bebidas.
Ao entrar na empresa paterna, Paulo ampliou o âmbito do negócio para o varejo. Em 2000 abriu uma pequena loja com 80 m2, que hoje chega a mil e inclui sala de degustação e harmonização. Entre sangue de boi e Chateau D´Yquem, o faturamento médio mensal é de R$ 200 mil, mas no fim do ano chega a mais de R$ 1 milhão.
Acostumado a vender grandes quantidades, a sua primeira estranheza foi verificar o quanto os clientes se demoravam na loja para, às vezes, sair com uma única garrafa. "Conversando com o público, descobri que isso era um ritual, que eles gostavam de olhar os vinhos com calma", conta. Daí, Bertin decidiu fazer uma loja que lembrasse um free shop, lugar onde as pessoas se demoram, observam e não sentem obrigação de comprar.
Em questão de meses, percebeu que, enquanto os homens se divertiam, as mulheres esperavam aborrecidas. Era a deixa para fazer uma loja com objetos de presentes e equipamentos de cozinha para atrair o sexo feminino. "Você acredita que em seis meses tive que incrementar ainda mais essa coisarada de cozinha? Os homens que cozinham se apaixonaram pela loja e não passam por aqui sem levar uma tranqueira nova para casa".
A fonte de ganho da Bertin continua a ser o atacado, mas depois da Maison tudo mudou. "Existimos durante 40 anos sem que ninguém falasse da gente, agora, os sorocabanos já sabem que o nome da família é sinônimo de coisa gourmet", diz o comerciante, ao relatar os frequentes convites para se instalar em cidades vizinhas. Para promover vinhos, ele faz parceria com todo o tipo de instituição: indústria farmacêutica, maçonaria, empresas. "Lançamento de remédio em pizzaria ninguém quer, mas se você disser que é aqui, o povo se entusiasma, sabe que vai beber e comer bem".
Nas prateleiras da Maison há panelas de cerâmica e titânio de R$ 400 e uísque George V por R$ 1.950. Cifras que não fazem Paulo Bertin ignorar o consumidor mais simples. "Quando um cliente entra aqui para comprar o vinho suave de São Roque, pelo amor de Deus, nunca diga que é ruim", é a recomendação que faz aos empregados.
No andar de cima da loja há um espaço para eventos. Numa noite de dezembro, em plena quarta-feira, 50 pessoas aguardavam para ouvir a palestra do enólogo e produtor português da Alvarinho, Antonio Luis Cerdeira. Durante a degustação, a presidente da ABS de Sorocaba, Rose Garcia, lembrou que há dez anos só era possível comprar vinhos em supermercados. "Se você queria um rótulo bom tinha que ir a São Paulo".
Segundo ela, tudo começou a mudar quando a Padaria Real - a maior da cidade - criou um clube de vinhos. Depois, foi seguida pela Bertin e pelo supermercado São Bento. "O boom do vinho tem uns cinco anos", diz, "mas é preciso cultivar. A cultura do vinho aqui não surge na vida da gente como na Europa".
Muito antes de se tornar conhecida pelo vinho, a Padaria Real, que tem três unidades em Sorocaba, já era identificada por ter a coxinha de catupiry mais reputada da cidade. No fim da tarde o movimento é intenso. Ao invés de pães, o que se vê são legiões de pessoas que saem de lá com coxinhas embaladas em caixas.
A receita foi desenvolvida em 1993 por Maria Helena de Souza, mulher de um dos fundadores, de origem portuguesa. A fama extrapolou o município e, hoje, a venda média diária, no balcão, é de duas mil coxinhas. Um dos fãs é o ator Paulo Betti, que visita a padaria sempre que vai à terra natal.
Nos últimos anos, a Padaria Real tem levado enólogos conhecidos, como o português Luis Pato, para fazer palestras e dar cursos. Nas prateleiras, rótulos bons e caros, como o Esporão, têm cada vez mais saída. Entre vinhos e coxinhas, Sorocaba desenha seu mapa gourmet.
(Fonte : Jornal Valor Econômico / 19/01/2010)

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