quinta-feira, 3 de março de 2011

BORDEAUX CONFIÁVEIS E A PREÇOS ACESSÍVEIS


Desejados por apreciadores de vinho mundo afora, os Grands Crus Classés de Bordeaux vêm, em especial desde 2000, atingindo preços cada vez mais proibitivos. Deixa saudade os bons tempos em que consumidores "normais" tinham cacife para comprá-los sem ser taxados de perdulários. Para quem se encaixa nesse grupo e não abre mão de ter rótulos bordaleses em casa, uma boa opção é ir atrás dos Crus Bourgeois, categoria que, depois de algumas fases turbulentas, tende a ser fonte de tintos confiáveis e acessíveis, com mais certeza a partir dos vinhos elaborados a partir de 2008.
A categoria Cru Bourgeois nasceu, digamos, da rebarba da classificação dos Grands Crus Classés estabelecida em 1855, que contemplou 63 châteaux (dois não existem mais) da região do Médoc - a única exceção foi o Haut Brion, situado em Graves. A partir de então, outros châteaux foram surgindo, alguns produzindo vinhos do nível de Grand Crus, mas a classificação original permaneceu inalterada. Por lei ela é imutável. Boa parte dos melhores destes desgarrados conseguiu reconhecimento oficial em 1932 e na década de 60 foi criado o Sindicato dos Crus Bourgeois, marca reconhecida pela Comunidade Econômica Europeia.
Beneficiado pela expansão dos negócios em Bordeaux nos anos 80, a categoria foi inflando, passando de 400 membros e chegando a representar cerca de 50% da produção de vinhos da região do Médoc. A heterogeneidade fez diminuir a possibilidade de se obter bons Bordeaux a preços honestos. Para auxiliar o consumidor e, simultaneamente, incentivar os produtores a se aprimorar, o Sindicato passou a promover anualmente a "Coupe des Crus Bourgeois", um torneio com degustação às cegas nos moldes de uma competição esportiva: os vinhos, provenientes de três safras seguidas, eram confrontados dois a dois diante de um júri de três degustadores, por eliminatórias sucessivas até a final, onde eram proclamados vencedor e finalistas. No fundo, pouco adiantou, a não ser para promover os châteaux realmente bons.
Desacreditada por reunir vinhos sofríveis ao lado de outros com qualidade, em 2001 foi proposta uma reclassificação que deveria entrar em vigor dois anos depois. A nova lista foi definida por um júri composto por 18 pessoas que se reuniu durante esse período para analisar os châteaux que se candidatassem, com o compromisso de ser revista a cada dez anos. Dos 490 châteaux submetidos a análise - degustação às cegas de seis vinhos, das safras de 94 a 99, além de um dossiê técnico da propriedade -, 247 foram aprovados. A metade, portanto.
A categoria foi dividida oficialmente em três níveis: Cru Bourgeois Exceptionnel, que teve apenas 9 admitidos, Cru Bourgeois Supérieur, com 87 châteaux, e Cru Bourgeois simples, alcançado por 151 propriedades. Não houve surpresa entre os melhores. Os Châteaux Chasse Spleen, Haut Marbuzet, Labegorce Zedé, Les Ormes de Pez, de Pez, Phélan Ségur, Potensac, Poujeaux e Siran, sempre foram reconhecidos como os melhores da classificação antiga. O único que não constou dessa nova relação foi o Château Sociando Mallet - por já ter conseguido luz própria e não depender mais de qualquer diploma, resolveu nem concorrer.
Critica-se muito a imutabilidade da classificação dos Grands Crus Classés de 1855, com o argumento que a posição que ocupavam, de 1º a 5º, não condiz com a realidade hoje. A discussão até pode ser válida, mas há tanta especulação e tantos interesses em jogo hoje em dia que seria impossível chegar a um consenso. E isso aconteceu de fato na tentativa de reclassificar os Crus Bourgeois. Dos que não conseguiram entrar na nova classificação, 78 entraram com processo judicial para anular a reclassificação. O processo perdurou até 2007, quando foi decretada sua anulação oficial.
A partir de então, um novo sindicato foi criado, a Alliance des Crus Bourgeois, que propôs uma nova comissão julgadora, formada por profissionais ligados a área do vinho e sem qualquer interferência dos proprietários das vinícolas postulantes às vagas. Para garantir independência no processo, foi contratado o Bureau Veritas, organismo certificador de dimensão mundial. Na nova classificação, que tomou por base os vinhos da safra 2008, 290 châteaux conquistaram o direito de se tornar um legítimo Cru Bourgeois. As categorias acima, Supérieur e Exceptionnel foram suprimidas. A nova certificação, que foi divulgada em setembro do ano passado será revisada todos os anos, inclusive em 2011, em que serão usadas amostras dos vinhos da safra de 2009 para as degustações. A menção Cru Bourgeois deixa, então, de pertencer ao Château, devendo ser conquistada ano a ano, com base, sobretudo, na qualidade que seu vinho demonstrar.
Thierry Gardinier, presidente da Alliance desde 2004 declarou que os Cru Bourgeois hoje, não são mais uma classificação, mas sim um reconhecimento, uma certificação. "Existem critérios objetivos para poder participar. O château tem de existir fisicamente, ter vinhedo, vinificar, engarrafar na propriedade - auditado pelo Bureau Veritas. Somente depois de ter os critérios objetivos confirmados o vinho pode ir para a degustação às cegas. O júri não recebe qualquer instrução de buscar vinhos mais concentrados ou de um determinado estilo. Não há uma busca de concentração. Fazemos uma média da safra do Médoc degustando entre 40 a 60 vinhos. Para ser um Cru Bourgeois é necessário que o vinho esteja acima dela".
Os antigos Cru Bourgeois Exceptionnnels, que incluem Châteaux como o Chasse Spleen, Les Ormes de Pez, de Pez, Potensac, Poujeaux e Siran, por sua vez, já que não existem mais níveis hierárquicos dentro da classificação, decidiram romper com a Alliance, pretendendo formar uma categoria independente. Caminho idêntico tomou o próprio Gardinier, dono do Château Phélan Ségur, que fez com que passasse o condução da Alliance des Cru Bourgeois para Frederic de Luze, do Château Paveil de Luze, em Margaux.
A despeito da confusão gerada até aqui e de incitar o consumidor a ser infiel com relação aos rótulos que está habituado a comprar, a nova fórmula tem tudo para ser considerada confiável. Os novos Crus Bourgeois, a partir da safra 2008, podem não conseguir chegar no padrão de qualidade dos Grands Crus Classés, mas vão permitir que pobres mortais bebam bordeaux à vontade.

(Fonte : Jornal Valor Econômico)

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