quinta-feira, 26 de agosto de 2010

CAVAS ESPANHÓIS NÃO QUEREM SER O PRIMO POBRE DO CHAMPANHE


Vinhos espumantes ambiciosos de todas as partes do mundo invariavelmente são comparados ao champanhe. Isso é compreensível, mas lastimável. É como se todos os vinhos tintos tivessem que se espelhar nos borganha, mesmo os feitos a partir de variedades diferentes produzidas em lugares mais quentes. Visto através de taças de borgonha, um encorpado e inebriante Châteauneuf Du Pape seria um fracasso. É claro que em seus próprios termos ele é esplêndido.
Nenhum espumante sofre mais com a comparação maravilhosa mas inadequada com o champanhe do que o cava da Espanha. "Somos sempre o irmão pobre do champanhe", diz Ton Mata, da Recaredo, um dos melhores produtores da região. "É possível produzir um grande cava, mas ele precisa ser grande de uma maneira diferente do champanhe. Às vezes ficamos um pouco tristes porque ninguém acredita que o cava pode ser maravilhoso".
Agustí Torelló, da companhia de mesmo nome, vê o problema sob um prisma diferente. "É fácil produzir um bom vinho espumante aqui. Mas é muito difícil produz ir um cava com alma". A falta de reconhecimento leva Lali, a irmã de Agustí Torelló, a chamar o cava de "o vinho mais desconhecido do mundo". Um mês atrás, eu ousaria tratar essas observações com ceticismo. Depois de experimentar os melhores vinhos desses dois produtores e outros, agora percebo que meu padrão de referência precisa ser reformulado.
Talvez a melhor maneira de explicar essa alegria é mostrar o quanto eles são diferentes dos atributos do champanhe. O champanhe é feito a partir de uvas pouco maduras das variedades chardonnay, pinot noir e pinot meunier dos climas mais frios, apropriados para a produção de vinhos. Desse modo, a acidez é sua principal característica estrutural, equilibrada pela riqueza e textura da longa maturação das borras de levedo da fermentação secundária, e pelo açúcar do vinho usado para completar as garrafas antes das remessas. Por outro lado, um grande cava é feito das variedades catalãs xarello, macabeo e parellada, colhidas no primeiro sinal de amadurecimento no clima muito mais quente de Penedès, ao sul de Barcelona. Tanto a acidez como o açúcar são mais importantes para o champanhe. Na verdade, muitos cavas de primeira não possuem açúcar nenhum. No entanto, um envelhecimento mais longo das borras é crucial. O resultado final é estratificado, texturizado e encorpado, com um espectro aromático (graças a essas variedades locais, cultivadas em terrenos sedimentares marinhos no clima da Catalunha) bem diferente do que qualquer outro espumante.
Os tons marcantes incluem flores brancas como a flor de pilriteiro e de sabugueiro, além de erva doce, alecrim, amêndoas da terra, chicória, pêssego, maçã e lima, junto com uma ponta salina e mineral. As bolhas parecem quase acidentais, mas têm o efeito de alçar os aromas da taça como se fossem cúmulos macios em um dia de verão. De fato, o caráter profundamente mediterrâneo do cava faz sua personalidade parecer intensamente estival. Por outro lado, muitas das perfeições do champanhe remetem ao norte, ao inverno e ao interior: creme, torradas, brioches, tudo formando lâminas de acidez como se fosse gelo.
As origens do cava, assim como do Rioja, datam da epidemia de filoxera na França do século XIX. Bodegas das duas regiões ficavam perto do fim das linhas de trens e prosperaram fornecendo para as regiões de Champanhe e Bordeaux. Em certos aspectos, o cava fez menos concessões ao mundo moderno que o champanhe. Recaredo, Torelló, Mestres e Gramona realizam toda ou grande parte da fermentação secundária sob rolhas, em vez de tampinhas de garrafa de metal, e têm as borras removidas à mão, garrafa por garrafa. Gramona mantém a tradição, quase perdida no champanhe, de usar um licor final construído de maneira complexa e baseado em vinhos mais velhos e brandies que emprestam aos seus blends uma personalidade orquestral.
Desde meados da década de 80, as variedades chardonnay e pinot noir receberam autorização para serem usadas no cava. Como elas amadurecem muito mais rápido que as variedades locais, é difícil vê-las produzindo espumantes com nuances nesse lugar em que o clima vai de ameno a quente. Em minha opinião, os maiores cavas são produzidos com as variedades locais de maturação mais tardia, especialmente a estruturada xarello, que fica mais respeitável com a idade, e a perfumada e encantadora macabeo, que em cavas parecem muito mais intrigantes do que seu sinônimo Viura no não-espumante branco Rioja.
Será que o reconhecimento virá para o cava fino? Acho que isso poderá acontecer em breve, mas os consumidores terão de estar preparados para pagar preços de champanhe. A moda do prosecco (em princípio um vinho mais jovem e mais simples) pelo menos significa que os apreciadores estão agora prontos para procurar vinhos espumantes que não o champanhe por outros motivos que não o preço. Tudo que os produtores do cava pede é que seus melhores vinhos sejam julgados com um paladar aberto.

(Fonte : Jornal Valor Econômico)

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