terça-feira, 6 de abril de 2010

PROGRAMA DE MILHAGEM ALÇA VOO PARA OUTROS SETORES

Quando surgiram no início dos anos 80, os programas de milhagem das companhias aéreas eram uma cara estratégia de fidelização. Mas o tempo dos "passivos" de milhas aéreas ficou para trás. Hoje a fidelização se tornou um grande negócio, que faz entrar dinheiro no caixa não só das companhias aéreas mas também no de bancos, locadoras de automóveis, hotéis e redes de varejo.
Esses programas têm por trás uma engenharia financeira complexa que permite transmutar em dinheiro um dos bens mais caros para qualquer empresa: a retenção do cliente.
De todas as formas experimentadas para premiar clientes fiéis, a compra de passagens com pontos de fidelidade é a que mais deu certo. É onde o cliente mais percebe que ganhou uma coisa de verdade -diferentemente de um bem físico. É essa percepção de valor que permite às companhias aéreas transformar em receita um assento que, de outra forma, voaria vazio.
"O negócio da fidelidade é uma grande sacada. Levar o cliente a preferir o seu serviço ao de um concorrente é um desafio enorme em um mundo de comoditização", disse o consultor Boanerges Ramos Freire.
"Por que um Walmart entra nesse negócio? Ele vai fazer a conta: quanto eu preciso investir para reter meu cliente? Compara com o custo de mídia, de propaganda e se fizesse um desconto. Chega à conclusão de que é melhor reter e fidelizar. O negócio é novo, mas a lógica é simples", disse Líbano Barroso, presidente da TAM.
Os bancos são os maiores compradores dessa "capacidade ociosa" das companhias aéreas -que gira em torno de 35% dos assentos. Como compram lotes gigantescos de uma vez, conseguem um preço que equivale a um terço do valor médio do bilhete.
Por outro lado, os bancos ganham quando conseguem fazer o cliente gastar mais no cartão. Para cada R$ 100 gastos no cartão, os bancos recebem R$ 1,5. Soma-se a isso o fato de que de 5% a 30% dos pontos de fidelidade de qualquer programa não são usados -o que se traduz em ganhos para os bancos.
"Esse é um negócio de escala. Essa conta depende da capacidade do banco de comprar bem e barato esse benefício para o cliente", afirmou Carlos Zanvettor, diretor de cartões do Itaú Unibanco.
Hoje, há empresas especializadas em organizar programas do tipo, como a Multiplus, gestora de pontos que nasceu na TAM. Em fevereiro, a Multiplus ganhou vida própria, foi separada da TAM e levantou R$ 720 milhões em sua abertura de capital na Bolsa. Agora pretende organizar a "fidelidade" para diferentes parceiros, com exceção da Varig/Gol, dona do concorrente Smiles.
De subsidiária, a Multiplus se tornou a maior "cliente" individual da própria TAM, responsável por trazer cerca de R$ 425 milhões -6% das receitas no ano passado (até setembro). A Multiplus revende os pontos -conversíveis em passagens aéreas- para bancos, redes de varejo e hotéis distribuírem a seus melhores clientes.
Segundo a TAM, as passagens vendidas para a Multiplus custam só entre 10% e 15% menos do que a média das passagens vendidas aos passageiros. "Na TAM, não tem diferença se o passageiro comprou a passagem ou trocou por pontos", disse Barroso.

Custo alto faz banco oferecer produto alternativo ao cliente

Se por um lado o prêmio em viagens é o principal estímulo para o aumento da frequência no uso de cartões de crédito, as milhas também representam um dos maiores custos dos bancos no negócio de cartão.
Esse custo já é tão expressivo que os bancos tentam premiar com outros itens, como eletrodomésticos, diárias de hotel e desconto em restaurantes.
Segundo Carlos Zanvettor, diretor de cartões do Itaú Unibanco, há um departamento inteiro no banco que estuda os hábitos de consumo dos clientes para propor formas alternativas de premiação com um apelo tão chamativo quanto a passagem de avião para as próximas férias.
No Banco do Brasil, os clientes que não conseguem juntar pontos suficientes para voar podem trocar por produtos de menor valor ou até por créditos no celular. O Santander tem um programa de fidelidade em que o cliente pode trocar seus pontos por dinheiro na conta.
Nos EUA, bancos e emissores de cartão gastam algo como US$ 2,6 bilhões por ano na compra de bilhetes aéreos e outros produtos para seus programas de fidelidade. No mercado americano, em que o uso do cartão de débito é crescente e o de cartão de crédito está em baixa, os bancos estão oferecendo mais milhas por cada dólar gasto como forma de estimular o uso. No Brasil, não há dados consolidados.
Antigo parceiro do Smiles, o Bradesco assumiu o seu próprio programa de fidelidade quando a Varig passava por dificuldades. O cliente agora junta milhas no banco, podendo trocar por passagens tanto do Smiles quanto da TAM Fidelidade -ou outros produtos- no site do cartão. Se o cliente não tiver pontos suficientes, pode pagar em dinheiro o que falta.
"Esse produto não foi criado para competir com os programas das companhias aéreas. São complementares. Mas logo o cliente percebe que ele consegue trocar os pontos por mais aqui no Bradesco", disse Marcio Parizotto, diretor do banco.
Além de programas próprios de fidelização, o Bradesco e o Banco do Brasil possuem cartões co-branded com a Gol, e o Itaú, com a TAM. Segundo o diretor de marketing e cartões da Gol, Murilo Barbosa, os cartões co-branded são mais agressivos em termos de pontuação.
"Esse não é um mercado sem competição. Temos que ter criatividade", disse Barroso, que preside TAM e Multiplus.

Marca Smiles foi a principal herança da Varig

O grande potencial do mercado de fidelização explica por que a Gol, que comprou a Varig em 2007 e praticamente aposentou a marca adquirida, decidiu incorporar e investir na revitalização do programa Smiles.
"O Smiles faz parte de uma estratégia de fortalecimento no mercado de viagens a negócios", afirma o presidente da Gol, Constantino de Oliveira Júnior. "O Smiles é muito importante como ferramenta de fidelização para esse público."
Para Constantino, ter um programa de milhagem não compromete o conceito de empresa de baixo custo. ""A questão é como gerenciar o programa e seus custos."
Até outubro de 2008, antes da revitalização do Smiles, as chamadas receitas auxiliares (carga, Smiles e outras receitas) representavam de 6% a 8% do total da Gol.
No final do ano passado, a fatia das receitas auxiliares subiu para 14%, com o Smiles representando mais da metade desse segmento.
A Gol recebeu o Smiles com 5 milhões de usuários cadastrados e hoje já conta com 6,7 milhões.
Com a crise da Varig, a TAM passou a explorar sozinha esse mercado, até a revitalização do Smiles.
"Antes de a Gol começar a operar o Smiles, os bancos e outros parceiros compravam 3% da gente. Agora já temos 30% do mercado", diz o diretor da Gol Murilo Barbosa.



(Fonte – Jornal Folha de S. Paulo – Ed. Dinheiro)

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