quarta-feira, 17 de fevereiro de 2010

O HOMEM DE US$1,5 BILHÃO

O presidente do Carlyle, Fernando Borges, adquiriu o controle da CVC. Foi o primeiro cheque de muitos que ele pretende assinar no País

O empresário que chega ao número 3.900 da avenida Brigadeiro Faria Lima, no Itaim Bibi, em São Paulo, pode se sentir intimidado ao pisar no décimo segundo andar. Do lado esquerdo do elevador, o touro do Merrill Lynch encara o visitante. No oposto, a arquitetura sóbria em tom bege traz letras encravadas na parede, onde se lê Carlyle Group. Frente a frente estão dois modos diferentes de fazer negócio: um banco de investimentos, que cobiça o ganho rápido com a abertura de capital das empresas, e um fundo de private equity, que investe com paciência em companhias fechadas para levá-las, um dia, à bolsa de valores. Nas últimas semanas, o touro da Merrill parece estar domado e o movimento, voltado para o lado direito.
Fernando Borges, presidente do Carlyle no Brasil, acabou de assinar um cheque de R$ 800 milhões para marcar a estreia do gigante americano no País. Após dois anos trabalhando em silêncio no Brasil, o Carlyle comprou 64% da operadora de turismo CVC, do empresário Guilherme Paulus, em janeiro. Na mesa de trabalho de Borges, está se formando uma pequena pilha de relatórios de companhias que podem receber o capital financeiro e intelectual do fundo de private equity, que faz a gestão mundial de 260 empresas, com ativos de US$ 88 bilhões (R$ 158 bilhões), dos quais US$ 30 bilhões em caixa para novas oportunidades mundo afora. Aqui, o cacife inicial do executivo é de US$ 1,5 bilhão, o equivalente a R$ 2,7 bilhões. Ou seja, ainda restam quase R$ 2 bilhões para futuras aquisições, valor que pode aumentar com o tempo. Poucos investidores têm esse tamanho. "As pessoas iniciaram o ano querendo fazer negócio e dispostas a conversar conosco", diz Borges.
Os planos estão bem amarrados para os próximos cinco anos. Nesse período, o dinheiro deve ser dividido entre os setores de consumo, logística e agronegócio. A força do mercado doméstico, considerada fundamental para a resistência do Brasil à crise, é onde o fundo americano de private equity deve concentrar sua atenção. Pelo menos 70% do US$ 1,5 bilhão inicial serão alocados em companhias de varejo, educação, saúde e serviços financeiros. O restante deve ser repartido igualmente entre os negócios relacionados à agricultura, que desponta mundialmente com a exportação de alimentos e do etanol, e os gargalos de infraestrutura, que têm os estímulos da Copa do Mundo, da Olimpíada e do pré-sal para receber investimentos. "Este é o nosso plano", afirma Borges. Antes de rubricar a última folha de cada contrato, ele não vai revelar o endereço de suas visitas, embora deixe escapar a sua lógica. "A exploração do petróleo não é nosso foco, mas as indústrias relacionadas a ela, sim. As cidades vão precisar se estruturar com escolas, supermercados e drogarias com o fenômeno do pré-sal", sugere.
Quando o grupo americano manifestou sua intenção de ingressar no Brasil, há cinco anos, o foco escolhido era somente o mercado imobiliário. Parecia o tiro certo a ser dado pelo potencial de crescimento desse segmento. Mas o projeto não vingou. Para recuperar seu prestígio, o Carlyle contratou Borges, ex-presidente da AIG Capital no Brasil, no segundo semestre de 2007. E lhe deu carta branca. "Borges é um nome tradicional e muito conceituado nesse mercado", diz Alberto Tamer Filho, sócio da Axial Consult. Com a mão na massa, o executivo manteve a visão de que o aumento da renda e a ascensão da classe C deveriam ser explorados, mas focou a estratégia no setor de serviços, em vez da construção. Borges não pensou duas vezes e bateu na porta da companhia mais cobiçada por todos os seus concorrentes, a CVC.
Parecia uma missão impossível de realizar, tamanha a quantidade de "nãos" que Guilherme Paulus distribuiu aos interessados nos últimos anos. Mas Fernando Borges tinha um diferencial histórico: a operação vitoriosa com a Gol Linhas Aéreas quando estava à frente da AIG Capital. Ele acreditou no potencial da empresa de aviação criada pela família Constantino e aportou US$ 25 milhões em 2003. A Gol melhorou sua governança corporativa e, no ano seguinte, realizou uma oferta pública de US$ 280 milhões na Bovespa. "Existiram vários pretendentes, mas o Fernando teve o jeito certo de convencer o Guilherme", afirma Valter Patriani, presidente da CVC e funcionário mais antigo da operadora de turismo, com 33 anos de casa. "O Guilherme sonha em fazer da CVC uma empresa global. E ela será uma das cinco maiores do mundo", afirma o presidente do Carlyle.
Borges investiu pesado nessa negociação. Fechou as portas para todas as outras companhias e concentrou a atenção de sua equipe de sete pessoas na CVC. O entrosamento entre todos precisava ocorrer rapidamente, porque a aposta correu risco de naufragar. O início das conversas ocorreu em setembro de 2008, duas semanas antes da quebra do banco de investimento Lehman Brothers. "As crises tiram o referencial de preço para o vendedor e para o comprador", diz Borges. Mas são elas também que criam as oportunidades. Foi nesse período que o Carlyle confirmou estar à frente de uma empresa fortalecida, com caixa confortável e rapidez para manobras em períodos de tormenta.
Daqui para a frente, os passos do Carlyle estarão sendo analisados com todo o cuidado. O fundo não pretende fazer aventuras, como muitos de seus pares fizeram durante a febre dos IPOs antes da crise. "Queremos negócios que tenham dono e não buscamos contos da carochinha prontos para ir à bolsa", diz Borges. A concorrência vai aumentar. Uma série de fundos estrangeiros está de olho nos gordos prêmios que as companhias brasileiras podem oferecer no médio prazo. "O Brasil é o caminho natural do private equity americano e europeu", diz Tamer Filho. Será? "Ninguém vai chegar e assinar um cheque de US$ 500 mil para uma companhia sem conhecer bem o mercado", retruca Borges. Seus 15 anos de experiência, dois deles no comando do Carlyle, podem ser uma vantagem para domar as feras que apareçam na sua frente.

(Fonte : Revista Isto É Dinheiro / Edição 645 / 17-02-10)

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