quinta-feira, 24 de fevereiro de 2011

A COZINHA SENSÍVEL DAS QUATRO ESTAÇÕES VIVE SEM SHOYU


Não há shoyu sobre a imensa mesa da sala de jantar. Como cada convidado comprovará, mais tarde, as raras e delicadas iguarias que serão degustadas essa noite dispensam o tempero escuro à base de soja que acabou virando sinônimo de comida japonesa.
O cardápio, aguça a curiosidade dos 15 convidados. Escrito em português e japonês e protegido por capa de papel dourado com o brasão, símbolo do governo do Japão, traz oito pratos: entrada, sashimi, ensopado, fritura, cozido, refeição, sopa e sobremesa.
Tampouco os anfitriões escondem a ansiedade. Kasuaki Obe, cônsul-geral do Japão e a esposa Eiko, cederam sua residência, no bairro do Morumbi, em São Paulo, para a Fundação Japão mostrar a culinária Kyoryori, tradicional de Kyoto, que tem como princípio obedecer as estações do ano.
Na cozinha do cônsul estão dois chefs japoneses: Takuji Takahashi e Yoshihiro Takahashi. Apesar de sobrenomes iguais, eles não são parentes e cada um, de 41 e 35 anos de idade, respectivamente, possui um restaurante em Kyoto. Como auxiliares nessa noite nada menos do que Jun Sakamoto, renomado chef do restaurante que leva o mesmo nome, e Shinya Koike, do Aizome.
Os dois premiados chefs que atuam em São Paulo sabem o que estão fazendo quando se propõem ao papel de ajudantes de cozinha. Experiências assim lhes servem para aprimorar o que parece já ter se transformado numa tendência da culinária japonesa: o foco no natural, a adaptação ao regional e, sobretudo, como manda a Kyoryori, o respeito aos ingredientes disponíveis em cada época do ano.
Koike também ficou no encalço de Toshio Tanahashi, especialista em culinária budista (Shôjin Ryôri), que passou pelo Brasil há um ano. O conhecimento colhido em ambas as experiências deve começar a aparecer em cardápios dos restaurantes japoneses no Brasil.
Além da casa do cônsul em São Paulo, os chefs também estiveram na residência do embaixador japonês, em Brasília, na semana passada, e deram uma aula na universidade Anhembi-Morumbi, na terça. É um tipo de comida cara, avisam.
Takuji e tradutora aparecem cada vez que os garçons depositam um prato sobre a mesa no jantar na casa do cônsul. A cada aparição revelam-se informações preciosas. A entrada foi preparada com broto de bambu e palmito pupunha, ingrediente brasileiro que fascina os chefs japoneses.
Escolher o pargo marinado, do sashimi, e o camarão, frito com batata palha, foi a parte mais difícil nas compras no mercado municipal. Para quem está habituado a escolher peixe ainda vivo, disponível nos mercados do Japão, é difícil avaliar o grau de frescura da carne de animal já abatido. A solução, pelo menos no caso do pargo, foi apalpar a barriga do peixe. "Se é firme é porque está fresco", ensina.
Takuji explica que a cumbuca do ensopado deve ser manuseada como se faz com a taça do vinho: girar um pouco e sentir o cheiro antes de começar a ingerir. O chef conta, ainda, que o costume japonês não condena quem faz ruído ao tomar sopa. É sinal até de que apreciou o prato. Mas o barulho maior vem com as declarações dos convidados. "Nunca experimentei nada igual", diz Maria Leonor Saad, filha do fundador do grupo Bandeirantes de Comunicação.
Os elogios também cercam os pratos que trazem o sutil sabor de cítricos. E quando Takuji fala em combinação de cor, forma, textura e aroma quem arregala os olhos é o arquiteto Ruy Otake, familiarizado com termos semelhantes no seu dia a dia.
Todos comem os oito pratos sem reclamar. Pequenas taças recebem doses constantes de um saquê refinado, de Hiroshima. E a esposa do cônsul, que preparou um origami para cada convidado, elogia os chefs com o entusiasmo de quem acaba de provar no Brasil o que existe de mais refinado da gastronomia do seu longínquo país de origem.

(Fonte : Jornal Valor Econômico / foto divulgação)

Nenhum comentário:

Postar um comentário