sexta-feira, 30 de abril de 2010

RIO TENTA CONTER CAOS NOS TRANSPORTES


A seis anos de sediar uma Olimpíada, o Rio inicia a implantação do bilhete único municipal e tenta conter o potencial de piora nos engarrafamentos, que supera o prognóstico de São Paulo. A falta de integração e qualidade no transporte público soma-se ao aumento na frota de carros e motos, superior à capital paulista.
O metrô carioca tem frequência de trens do subúrbio paulistano, a ferrovia urbana aguarda investimentos atrasados em 12 anos, e ônibus circulam em excesso e mal distribuídos pela cidade.
Sentada num ponto de Copacabana (zona sul), a doméstica Maria Inês da Silva, 53, assiste toda noite ao desfile de ônibus na avenida Princesa Isabel.
Num intervalo de dez minutos na noite do último dia 12, segunda-feira, passaram 34 ônibus. Nenhum lhe serviu: 27 atravessaram a zona sul em direção ao centro ou, no máximo, à área de classe média da zona norte - até Vila Isabel. Coletivos da mesma linha passaram ao mesmo tempo no local.
Moradora de Bonsucesso, subúrbio da zona norte, a doméstica precisa aguardar mais de meia hora por sua condução. Ela opta por esperar ainda mais para conseguir viajar sentada.
"Não tenho mais idade para me empurrar e tentar entrar num ônibus", diz ela. Pela manhã, ela diz não poder se dar a "esse luxo" e entra no coletivo lotado para não atrasar a chegada ao trabalho. "Passam três ou quatro tão entupidos que nem param", afirma.
A abundância de ônibus em alguns trajetos não significa ordem. Para parar os coletivos, passageiros entram na pista para chamar os ônibus que trafegam distantes do ponto onde deveriam parar. Enquanto a reportagem conversava com Maria Inês, dois rapazes quase foram atropelados ao tentar entrar num veículo distante do meio-fio.
De acordo com especialistas, a atuação do poder público no planejamento e no investimento do setor é tímida.
A capital possui mais de 900 itinerários para cerca de 8.000 ônibus que circulam mal distribuídos pela cidade -25% de excesso na frota, diz a Secretaria Municipal de Transporte. Empresas incham áreas mais ricas, como a zona sul, enquanto faltam veículos nas mais pobres e distantes.
O gasto excessivo com a disputa faz com que 16 das 41 empresas de ônibus ofereçam serviço de baixa qualidade, segundo dados da secretaria. Atendem a população com veículos quebrados, transitando em alta velocidade e até deixando de recolher passageiros.
O uso do transporte público (74% das viagens) é considerada alto por especialistas. Mas o que para as autoridades mostra "confiança" da população no setor é, para eles, reflexo da condição econômica. Com a melhoria da renda, inicia-se a fuga para o transporte individual.
Entre 2001 e 2010, a frota de automóveis no Rio subiu 34% -contra 24% em São Paulo. No caso das motos, houve uma explosão de 151%.
"O usuário de moto é o antigo usuário de transporte público. O crescimento dele é perigoso", diz Eleonora Pazos, representante da Associação Internacional para o Transporte Público na América Latina.
De acordo com estudo da Firjan (Federação das Indústrias do RJ), os engarrafamentos em horário de pico já somam 94 km, contra 55 km em 2003. Sem investimentos, chegariam a 184 km em 2016, ano da Olimpíada na cidade.
Na avaliação de especialistas, o cenário atual é fruto da ausência do poder público em planejar e fiscalizar o setor.


Falta de dados

Apenas 60 funcionários fiscalizam o serviço dos ônibus, responsável por 77,5% das viagens na região metropolitana.
A prefeitura pretende, neste ano, licitar e reorganizar as linhas de coletivos, mas reconhece a completa falta de dados para planejar o transporte.
"Não havia um banco de dados de qualidade para apoiar o planejamento", diz o secretário de Transportes, Alexandre Sansão, que lança amanhã o edital para a disputa.
Apontados como a melhor opção para o transporte nas grandes cidades, metrô e trem respondem só por 8,6% das viagens e sofrem com o atraso de 12 anos de investimentos.
O Estado exige que o metrô circule com intervalos de cinco minutos e 30 segundos, semelhante ao praticado por trens em SP. A frota é a mesma desde 1998, mesmo com expansão de 27,5 km para 36,9 km da malha.
"O Estado não deixou a gente praticar cinco minutos e meio porque é bonzinho.
É porque cresceu a linha, mas não o número de trens", diz Joubert Flores, relações-públicas do Metrô.
A Supervia, por sua vez, opera com quase um terço dos trens (30%) inadequados, o que torna o sistema pouco confiável. A empresa se ofereceu para participar de um plano de investimento, pela renovação da concessão.Para o engenheiro Cláudio de Senna Frederico, a maior deficiência no Estado é a "ação medíocre" do poder público.
"O transporte público no Rio é quase todo privado. No fundo, falta uma coordenação."

JOGOS EXPÕEM DISPUTA EMPRESARIAL NO SETOR


A disputa pelo controle dos três novos corredores exclusivos de ônibus deve expor o embate de duas gerações empresariais do setor. Companhias de ônibus que atuam há décadas na cidade vão se juntar para obter a operação do sistema BRT (Bus Rapid Transit, ônibus de trânsito rápido). Eles terão como concorrente a Invepar, que controla o metrô. Oficialmente, a Invepar afirma que não comenta a licitação por não estar em seu escopo.

Solução olímpica, Transcarioca deve começar saturada

Principal intervenção no setor de transportes para a olimpíada do Rio de Janeiro, o Transcarioca -corredor expresso de ônibus que ligará a Barra à zona norte- pode começar sua operação saturado.
De acordo com a proposta olímpica do Rio, o corredor pode transportar "confortavelmente" 22 mil passageiros por hora. O mesmo documento indica que o uso médio dos corredores superará esse valor.
Foram garantidos ao COI (Comitê Olímpico Internacional) três corredores expressos para ônibus na cidade -um quarto já está sendo planejado.
A ligação Barra-Penha, que deve ser estendida até o aeroporto internacional, é a que tem a maior demanda.
O secretário municipal de Transporte, Alexandre Sansão, reconhece que a demanda será atendida "no limite" neste trajeto. Mas afirma que a redução de 96 para 41 minutos de viagem será o principal legado.
"Hoje essas pessoas se deslocam no mesmo percurso, mas sem corredor exclusivo. Eles lotam ônibus num congestionamento. É um sistema saturadíssimo hoje. Melhoramos o que tem hoje porque damos velocidade", afirma Sansão.
O sistema é inspirado em Curitiba, onde já apresenta sinais de saturação. Mas há experiências em que a capacidade do corredor foi ampliada, como em Bogotá, na Colômbia.

Projeto é o "factível", diz ex-secretário

Os investimentos e a reorganização do transporte melhorarão o tráfego e a mobilidade no Grande Rio, afirmam as secretarias Municipal e Estadual de Transportes. As obras previstas estão estimadas em R$ 11,35 bilhões, com recursos públicos e da iniciativa privada.
Na avaliação das autoridades, o projeto olímpico para o setor não é "dos sonhos", mas sim o "factível", em razão dos custos.
"Não era para realizar um projeto ideal, mas que fosse factível e realizável", afirma Júlio Lopes, secretário estadual de Transportes até o início de abril.
Após vencer a disputa pela Olimpíada de 2016, prefeitura e governo estadual ampliaram as promessas feitas ao Comitê Olímpico Internacional.
Adicionaram a extensão do metrô até a Barra (antes ia até a Gávea) e os corredores expressos de ônibus até Santa Cruz e por toda a avenida Brasil, que liga o centro à zona oeste.
Para Lopes, o problema que o Rio enfrenta no setor é fruto da falta de investimentos. O metrô não recebe novas composições desde 1998 e o Estado atrasou compromissos assumidos com a Supervia.
"Carros de 30 anos, tendo que trabalhar cada vez mais, com um número de passageiros cada vez maior, obviamente esse processo entra num esgotamento físico dos equipamentos. A incidência de falhas é muito maior", diz.Além das obras, a prefeitura aposta no reordenamento do sistema de ônibus. O secretário municipal de Transportes, Alexandre Sansão, afirma que pretende diminuir de cerca de 8.000 para 6.000 a quantidade de ônibus circulando pela cidade até 2012. O bilhete único municipal entre ônibus deve ser implantado neste ano.
Os investimentos prometidos preveem a participação da iniciativa privada. O Metrô Rio e a Supervia custearão, cada um, R$ 1,15 bilhão.
O Estado pretende também construir o corredor expresso da avenida Brasil em PPP (parceria público-privada), mas ainda não definiu como será o rateio dos R$ 800 milhões do projeto.

(Fonte : Jornal Folha de S. Paulo)

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